Depois de anos de relações mornas resultantes de ruídos causados pelo governo Bolsonaro tanto com americanos quanto com chineses, o Brasil vai se consolidando como a nova trincheira da disputa de influência e poder entre Estados Unidos e China.
As duas superpotências vivem um momento tenso em sua competição econômica e política, com troca de acusações de espionagem e difamação que ameaçam descambar para um conflito militar em Taiwan — que a China vê como seu território e que os EUA encaram como independente.
Nesse contexto, chineses e americanos competem pela lealdade do Brasil. Para os americanos, a boa relação com os brasileiros é fundamental para ter um aliado de peso na América Latina (já que as relações com México e Colômbia estão instáveis) e avançar o combate às mudanças climáticas e a promoção da democracia, duas pautas centrais na agenda do governo Biden.
Para os chineses, o Brasil é um importante mercado consumidor, um grande exportador de alimentos, e, se não um completo aliado em assuntos internacionais, ao menos um país relevante e não alinhado – em um momento em que Europa Ocidental, Austrália, Japão e Coréia do Sul fecharam questão com os americanos e a China se encontra em um incômodo polo nesta bipolaridade global.
Com o mote de que o “Brasil voltou”, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva tenta reconstruir uma relação robusta e privilegiada com as duas nações (primeiro e segundo maiores parceiros comerciais do Brasil) – e se esquivar das pressões e constrangimentos que surgem nessa aproximação simultânea.
Com apenas 40 dias de governo, o presidente Lula foi a Washington se encontrar com o presidente americano Joe Biden. E, 40 dias mais tarde, será recebido em jantar em Pequim pelo presidente chinês, Xi Jinping, no próximo dia 28.
“Se os dois gigantes quiserem brigar para saber quem será o melhor parceiro para o Brasil, só temos a ganhar”, afirmou reservadamente à BBC News Brasil uma das integrantes da comitiva presidencial brasileira.
Mal estar entre os americanos
Às vésperas do embarque de Lula para a China, a comissão de relações exteriores do Senado dos EUA convidou autoridades do governo Biden para uma discussão sobre o “futuro das relações entre EUA e Brasil”. É a primeira vez em anos que o Legislativo americano toma tal iniciativa, o que diplomatas brasileiros viram como um sinal do novo patamar de importância que Washington dá a Brasília.
Na audiência, porém, tanto congressistas (dos dois partidos) quanto membros do Executivo expressaram mal-estar com a aproximação entre Brasil e China.
“O governo Biden está fazendo o suficiente para desencorajar países como o Brasil de buscarem investimentos e comércio com a China?’, questionou o senador republicano Pete Ricketts (Nebraska), que chegou a citar a Doutrina Monroe, de 1823, que preconizava ser dos EUA o papel de liderança política nas Américas, “alertando potências contra a interferência no Hemisfério Ocidental”, nas palavras de Ricketts.
Na mesma linha, a senadora Jeanne Shaheen, democrata de New Hampshire, notou que o Brasil é um dos únicos países na região a não ter aderido à iniciativa chinesa “Cinturão e Rota”, de empréstimos para desenvolvimento de infraestrutura. Argentina e Chile, por exemplo, já estão no programa, também conhecido como “nova rota da seda”. Segundo ela, esta seria uma “oportunidade para os EUA se destacarem”.
O senador Benjamin Cardin, Democrata de Maryland, reforçou a questão: “O Brasil tem hoje uma quantidade incrível de parcerias com a China. Qual é a nossa estratégia para tentar minimizar a influência da China no Brasil e em nosso hemisfério? Em que estamos trabalhando – não apenas em ações governamentais, mas em atividades do setor privado – para contrapor o que a China está fazendo?”, questionou.
“Você está preocupado com o que a China tem feito em relação à América Latina e o Brasil?”, resumiu Ricketts.
“Com certeza”, respondeu o Secretário-Assistente de Estado para o Hemisfério Ocidental, Brian Nichols, para depois completar: “Estamos focados em demonstrar que os EUA são o melhor parceiro para os países de toda a região, principalmente o Brasil. Os EUA são a maior fonte de investimento estrangeiro direto no Brasil, gerando oportunidades de trabalho de alta qualidade e crescimento para o benefício de nossos dois povos”.
Já Richard Duke, vice-enviado especial para o Clima, reconheceu o tamanho do desafio para a política externa americana de Biden.
Fonte:BBC News