No dia 2 de dezembro de 2010, o Catar surpreendeu o mundo. Contra todos os prognósticos, um dos menores países da Ásia superou Japão, Coreia do Sul e Austrália e ganhou o direito de ser sede da Copa do Mundo, 12 anos depois, agora em 2022. Enquanto comemorações pela escolha aconteciam nas ruas de Doha, a capital do país, os dirigentes da rica monarquia prometiam um Mundial compacto e suntuoso.
O Catar ganha bilhões de dólares com a exploração de jazidas de gás natural e tem investimentos bilionários, com participação acionária em empresas como a alemã Volkswagen, a anglo-holandesa Shell, o banco britânico Barclays e o francês PSG. Teria 12 estádios, espalhados em cerca de 60 quilômetros de distância. Ficariam tão próximos uns dos outros, que, em tese, possibilitaria ao torcedor assistir até três jogos no mesmo dia, em arenas luxuosas e confortáveis, sem ter de enfrentar longas viagens e mudanças de hotel. “Nunca a Copa foi no Oriente Médio e o mundo árabe está esperando há muito tempo por esta oportunidade”, disse o então presidente da Fifa, o suíço Joseph Blatter, após a votação de seu comitê executivo na sede da entidade na suíça Zurique.
Só que, apesar da opulência prometida, a organização do Mundial ainda corre contra o tempo para deixar tudo pronto. O Estadão esteve em Doha e constatou como está o Catar a quatro meses da disputa. Há muito a se fazer e problemas para serem resolvidos, como abrigar 1,5 milhão de visitantes durante os jogos. “Tivemos de nos adaptar a muitos obstáculos, mas tudo estará pronto a tempo para um grande evento”, disse Hassan Al Thawadi, CEO do Comitê de Entrega e Legado da Copa do Catar, durante entrevista após o sorteio dos grupos do Mundial.
O primeiro desafio era óbvio: como fazer funcionar a logística para acomodar, durante um mês, a multidão de torcedores, sem transformar a vida do país em um caos nem deixar um punhado de “elefantes brancos” na cidade. O primeiro contratempo que precisou ser superado foi o do calor, perto dos 50ºC em junho e julho, meses tradicionais do evento, apesar de os estádios contarem com climatização, que mantém a temperatura em torno dos 20ºC. A solução encontrada foi mudar os jogos da Copa para os meses de novembro e dezembro, com temperaturas mais amenas (máxima de 30º C).
Em 2014, o planejamento da Copa já havia sofrido outra alteração: o Supremo Comitê de Entrega e Legado, organismo ligado ao governo local e que coordena todas as atividades do Mundial, decidiu que os 64 jogos seriam realizados em oito arenas, e não mais 12. Atualmente, os estádios ou estão prontos ou em reta final de acabamento. Apenas o Lusail, um colosso de 30.000 toneladas de concreto, com 310 metros de diâmetro, em forma de cesto de tâmaras, onde será disputada a grande final, ainda não foi inaugurado. Mas ele está concluído desde 2021.
Se os estádios estão pendentes de pequenas reformas no seu entorno, houve avanços em outros canteiros de obras. Tocado por um orçamento estimado em US$ 229 bilhões, melhorou bem toda a infraestrutura local. A malha rodoviária, que já era boa, ganhou estradas ainda mais largas, como a que hoje liga Doha a Al-Khor, com sete faixas em cada sentido. Antigas frotas de ônibus urbanos estão sendo substituídas por redes de metrô.
Ampliação do metrô
Desde 2019, na região de Doha, foram entregues três linhas de metrô, criando uma rede com 78 quilômetros de malha, onde quatro anos atrás não havia uma única estação. Com capacidade para 416 passageiros, os trens são automatizados e chegam a velocidade máxima de 100 km/h. Há uma estação a metros do principal aeroporto do Catar, o Hamad, e outras próximas de cinco arenas da Copa: Lusail, Education City, Ahmad bin Ali, Khalifa e 974. Para as outras três arenas (Al Thumama, Al Janoub e Al Bayt), haverá um serviço de ônibus durante a Copa, que será interligado a estações do metrô. Também já foram implantados 17 km de trilhos em duas linhas de bondes – uma delas na Cidade da Educação, um polo educacional com oito sucursais de universidades dos EUA, França e Reino Unido e instituições locais, a outra em Lusail, uma cidade planejada, onde fica o estádio da final da competição.
Para reduzir congestionamentos em Doha, além da chegada da rede de metrô e bondes, foi aumentada capacidade das estradas que levam a estádios mais distantes, como o Al-Bayt, a 60 km de distância. “Com base em informações coletadas por câmeras e sensores, nosso Centro de Controle de Tráfego poderá agir rápido para mitigar congestionamentos, controlando os semáforos e os fluxos de trânsito”, diz o engenheiro Adullah Al Qahtani, da Ashghal, a empreiteira responsável pelo monitoramento de tráfego.
Para receber boa parte dos 1,5 milhão de visitantes esperados (1 milhão de ingressos já foram vendidos), o Aeroporto Hamad, o principal do país, foi modernizado e teve a capacidade de seus cinco terminais aumentada. Cerca de 2,8 milhões de passageiros poderão circular por ele. Para ajudar na operação de mais voos, foi suspensa a demolição do antigo aeroporto de Doha. “Passou por obras de renovação e adicionará uma capacidade de cerca de 10 milhões de passageiros”, diz Akbar Al Baker, CEO da Qatar Airways, a principal companhia aérea catariana.
Ainda há muito a se fazer no Catar. Em Doha, a paisagem é marcada por guindastes e movimento de operários. Há bairros inteiros sendo formados com edifícios projetados por alguns dos mais badalados escritórios de arquitetura do mundo. São raras as semanas em que um novo cartão-postal não seja inaugurado. Há poucas semanas foi entregue o Iconic 2022, um conjunto com quatro edifícios em forma do número 2022, quando visto de cima ou de frente. Fica a poucos metros do Estádio Khalifa e da estação de metrô Al-Azizyah. Em Lusail, um novo museu, com pinturas e esculturas orientais, está em fase final de construção. Também está na reta final o edifício do Museu do Automóvel do Catar, perto do Katara, o maior centro cultural do país.
Uma área tradicional conhecida como Msheireb foi remodelada, com prédios novos, painéis solares e bondes de última geração cortando suas ruas. Também estão em plena transformação outras regiões da capital, como West Bay e o DECC, onde fica o Centro de Exibições e Convenções, em que foi feito o sorteio da Copa. “A Copa do Mundo de 2022 está servindo como catalisador dos progressos no Catar”, diz Al-Thawadi, representante do Supremo Comitê de Entrega e Legado do Mundial.
Na região em torno do Souk Waqif, bairro tradicional do centro de Doha, são raras as ruas sem obras e buracos. Em 2019, quando o Flamengo disputou o Mundial de Clubes, houve dias em dezembro que, após minutos de tempestade, ruas ficaram alagadas. Em junho, um dos grandes símbolos da antiga Doha, o terminal de ônibus de Al-Ghanim, foi definitivamente fechado. Agora, quem quiser circular pela região usa as linhas de metrô, os táxis pintados de azul-turquesa da cooperativa Karwa ou aplicativos, como o Uber ou o Careem, concorrente local.
Hospedagem
Apesar dos avanços, Doha ainda tem problemas. Um dos mais complexos será onde acomodar 1,5 milhão de pessoas (pouco mais da metade da população do país), multidão estimada para desembarcar no Catar durante os 28 dias da disputa. Haverá restrições para a entrada de estrangeiros. Quem não estiver credenciado, não tiver ingresso e um lugar reservado para dormir não poderá entrar no país. Para complicar, entre novembro e dezembro, um decreto do governo proibiu que todos os hotéis aceitassem reservas individuais de hóspedes, o que causou chiadeira por parte de quem já as tinha, já que os preços dos hotéis dispararam.
Agora, mesmo dirigentes e jornalistas credenciados e portadores de bilhetes deverão visitar a Agência de Acomodação do Catar para encontrar um lugar para ficar. Também precisão entrar na plataforma digital Hayya e registrar seus dados pessoais, comprovar que possuem ingressos ou credencial e lugar para pernoitar durante a competição. Há hotéis, casas, apartamentos e quase 4 mil cabines em navios de cruzeiros que estarão ancorados no porto da cidade. E também cerca de mil tendas e cabines pré-fabricadas, que serão instaladas em camping nas imediações da capital do país.
“A plataforma oficial de acomodação para a Copa dará opções aos torcedores que quiserem ficar aqui durante os jogos: hotéis, apartamentos e casas, dois navios de cruzeiro gigantes, padrão 5 estrelas, ancorados no porto de Doha, e também acampamentos. Serão estruturas com camas e água, eletricidade e sistemas de drenagem”, disse ao Estadão Omar al-Jaber, diretor executivo do Departamento de Acomodação do Comitê Supremo de Entrega e Legado do governo. Quatro destes acampamentos serão construídos na Ilha de Al Qetaifan, em Lusail, em uma área próxima ao maior shopping da cidade, o Mall of Qatar.
O Estádio Ahmed bin Ali fica ao lado do local, e duas arenas nas quais o Brasil jogará seus três jogos na fase de grupos: Lusail, contra Sérvia e Camarões, e 974, diante da Suíça. Há ainda a possibilidade de o torcedor ficar em outros países da região e se valer dos aeroportos e voos ampliados do Catar. A promessa é de ponte aérea durante a competição com várias companhias. Os voos chegariam 5 horas antes das partidas, permitindo que os fãs curtissem a cidade antes de voltar para a base. Seriam 160 voos por dia para 200 mil pessoas. “A Copa será uma boa oportunidade para os fãs de futebol descobrirem uma parte do mundo que eles não conhecem”, disse o presidente da Fifa Gianni Infantino.
Não será barato acompanhar os jogos no Mundial do Catar. Cálculos do Clube dos Torcedores de Futebol da Europa estimam que esta será a Copa mais cara de todos os tempos. Três partidas da fase de grupos poderão custar até 2.770 euros. Serão raros os quartos de hotel cotados a US$ 80 por noite. Nas “Fan Village Cabins”, os preços começam em US$ 200. Segundo o francês Ronan Evain, diretor da associação, a saga continua com os ingressos, vendidos cerca de 46% mais caros na comparação com os preços na Rússia.
Fonte: Agência Estado