Eleito neste domingo para um terceiro mandato presidencial inédito na história democrática brasileira, Luiz Inácio Lula da Silva terá pela frente a partir de janeiro um cenário econômico mais complicado do que quando elegeu-se pela primeira vez há 20 anos e o desafio de lidar com um país profundamente dividido entre seus apoiadores e o do candidato derrotado Jair Bolsonaro –a vitória foi a mais apertada desde a redemocratização.
A complexidade econômica, especialmente na seara das contas públicas, deve impor ao petista a necessidade de fazer escolhas e priorizar promessas que fez ao longo da campanha eleitoral, uma das mais agressivas de que se tem notícia no Brasil.
“Lula vai chegar no primeiro dia de janeiro com uma economia que está em dificuldades, uma economia global que está em dificuldades. Não será 2003, quando era bem mais fácil criar política social. Estamos numa outra visão de mundo e numa outra economia”, disse à Reuters a doutora em ciência política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Larissa Peixoto Vale Gomes, que também é pesquisadora da Universidade de Cardiff, no País de Gales.
“Está difícil de fazer tudo ao mesmo tempo. Então ele vai ter que escolher prioridades, escolher no que ele vai investir primeiro. Na minha visão, como foi no começo com Lula e faz todo sentido, a primeira que ele vai focar provavelmente será a pobreza e a fome”, avaliou ela.
Além das dificuldades econômicas, que incluem a expectativa generalizada entre economistas de um cenário externo desfavorável, Lula ainda terá de lidar da eleição deste domingo até sua posse, marcada para 1º de janeiro de 2023, com a radicalização de Bolsonaro e seus apoiadores.
O atual presidente já indicou algumas vezes que pode não aceitar o resultado, e sua reação à derrota nas urnas deve ser acompanhada de perto de agora em diante. Também, como lembra Creomar de Souza, CEO da Dharma Political Risk, Bolsonaro seguirá no cargo ainda pelos próximos dois meses.
“A vitória de Lula, não muda o fato de que Bolsonaro segue sendo presidente até janeiro de 2023 e isto, por si, alimenta algumas variáveis de risco, tais como, alguma bomba relógio a ser deixada para trás em termos fiscais ou orçamentários, bem como, da própria qualidade de transição política”, disse.
O próprio Lula afirmou em discursos e falas recentes durante o segundo turno da campanha que terá pela frente uma situação mais complicada do que a que encontrou em 2003, quando sucedeu Fernando Henrique Cardoso. O petista também afirmou por mais de uma vez que precisará de tempo para “arrumar a casa” e para tomar pé da real situação do governo.
Isso tudo terá de ser feito depois de uma das campanhas políticas mais agressivas da história, em que “mentiroso” foi talvez o adjetivo mais gentil que os dois postulantes reservaram um ao outro, o que faz com que o saldo após o veredito das urnas seja de um país profundamente dividido.
Para Carlos Melo, cientista político e professor do Insper, essa divisão está bem marcada entre as regiões do país, entre as classes sociais e, ele lembra, atinge até mesmo as famílias. Ao mesmo tempo, Melo aponta o perfil conciliador de Lula como um trunfo do petista, mas vê algumas condições para o sucesso da tarefa de reconciliar o país.
“Lula já começou um processo de atração de setores de centro e conseguiu, de fato, atraí-los. Mas leva tempo, porque o lado do presidente Bolsonaro ainda está bastante radicalizado”, avaliou.
O petista tem como seu agora vice-presidente eleito o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin, atualmente no PSB, mas que ajudou a fundar o PSDB e foi adversário de Lula. No segundo turno, o agora presidente eleito também obteve o apoio de outros tucanos históricos, como FHC e os senadores José Serra (SP) e Tasso Jereisssati (CE), além de economistas que atuaram em governos tucanos, como Pedro Malan, Armínio Fraga, Pérsio Arida e Edmar Bacha.
“Isso (reconciliação) leva tempo e só virá com o sucesso do governo. Se for um governo fracassado em outros aspectos, tampouco conseguirá isso”, ressalvou Melo.
Fonte: Reuters