Jair Bolsonaro (PL) tornou-se neste domingo (30/10) o primeiro presidente da história do Brasil a perder uma disputa à reeleição. Derrotado em segundo turno por 49,2%a50,8% (com 99% das urnas apuradas) pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ele deverá deixar o poder em 1º de janeiro de 2023, quatro anos após ter tomado posse.
A possibilidade de reeleição para cargos majoritários foi criado no Brasil em 1997, e os três presidentes que em seguida a disputaram venceram e conquistaram um segundo mandato consecutivo.
Em 1998, Fernando Henrique Cardoso (PSDB) liquidou a disputa contra Lula no primeiro turno com 53% dos votos válidos. Em 2006, Lula derrotou Geraldo Alckmin, então no PSDB e que agora será seu vice-presidente, no segundo turno, com 60,8% dos votos válidos. Em 2012, Dilma Rousseff (PT) venceu o tucano Aécio Neves, também no segundo turno, com 51,6% dos votos válidos.
A DW conversou com dois cientistas políticos para explicar as vantagens que o ocupante da cadeira de presidente tem na hora de disputar a reeleição, e por que elas não foram suficientes para garantir um novo mandato a Bolsonaro.
Visibilidade e recursos a favor
O cientista político Henrique Carlos de Oliveira de Castro, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, afirma que os detentores de cargos majoritários – os incumbentes – beneficiam-se do fato de já serem conhecidos da população, um requisito para quem deseja ser eleito.
“A visibilidade de um governante é garantida pelo próprio governo e pelos meios de comunicação, independentemente de como a população avalia o seu desempenho. A campanha de um governante que se candidata à reeleição pode se dar ao luxo de usar os recursos eleitorais em propostas ou em ataques aos adversários”, afirma.
Essa vantagem não faz tanta diferença quando o concorrente é um ex-presidente, como Lula. Mas há outro benefício do cargo que ajudou a impulsionar a campanha de Bolsonaro: o maior potencial para arrecadar recursos e garantir apoios políticos.
“Estando no governo, o candidato pode utilizar o momento para cobrar apoio eleitoral de aliados do governo – sempre é bom lembrar que o governo é um poderoso atrator de apoiadores e de interesses – e de beneficiários de determinadas políticas públicas”, diz Castro.
A cientista política Monalisa Soares Lopes, professora da Universidade Federal do Ceará, lembra que Fernando Henrique usou com sucesso na sua campanha à reeleição o discurso de que tinha conseguido resolver a hiperinflação e era o melhor nome para conduzir a economia do país, enquanto Lula e Dilma trouxeram para as suas campanhas o legado do PT de transformações promovidas por políticas sociais.
A posição de incumbente ajudou Bolsonaro a conquistar o apoio de políticos do Centrão, beneficiados durante seu governo pela distribuição de recursos por meio do orçamento secreto. Além disso, o presidente tentou ampliar sua chance de reeleição com um farto pacote de benefícios sociais poucos meses antes do pleito, como a elevação do valor do Auxílio Brasil para R$ 600, visando os mais pobres, turbinado ainda mais no intervalo entre o primeiro e segundo turnos.
Mas a iniciativa não provocou movimentações eleitorais determinantes no curto prazo. No final de maio, antes de o pacote de benefícios ter sido aprovado, a vantagem nas intenções de voto de Lula sobre Bolsonaro entre os que ganham até dois salários mínimos era de 36 pontos percentuais, segundo o Datafolha. A última pesquisa Datafolha antes das eleições, divulgada no sábado, apontou que a vantagem do petista seguia ampla nesse segmento, de 28 pontos percentuais – ele alcançou 61% entre o grupo, contra 33% de Bolsonaro.
Radicalismo jogou contra reeleição
Apesar da visibilidade interente ao cargo e da maior facilidade de atrair apoios, o discurso e as posturas radicais e de extrema direita de Bolsonaro ao longo do governo reduziram seu potencial eleitoral e minaram a sua chance de eleição, avalia Castro.
“Bolsonaro conseguiu dar voz e unificar uma base real de extrema direita no Brasil – que naturalmente é muito menor do que os seus eleitores. No entanto, tem a desvantagem de afastar parcelas importantes do eleitorado que, mesmo sendo eventualmente conservadoras, moderadas ou contra a esquerda, não se identificam com o radicalismo e as posições por ele defendidas”, afirma.
Ele diz que o presidente causou uma “fratura política” na sociedade brasileira como não havia desde a ditadura militar, decorrente de uma visão de mundo “radical e agressiva”. Isso permitiu ao presidente formar uma “pequena mas sólida” base política, mas custou sua reeleição.
Além disso, Bolsonaro foi um incumbente diferente dos seus antecessores que venceram a reeleição, pois “abriu mão” de conduzir a agenda governativa e de criação de políticas públicas, avalia Lopes.
“A prova disso é como o orçamento é [hoje] fundamentalmente controlado e decidido na dimensão do Congresso. É um presidente que abre mão de governar em um campo muito importante, a execução de políticas públicas e definição de prioridades”, diz.
Bolsonaro até tentou mostrar realizações de seu governo durante a campanha, afirma ela, mas era tarde demais. “Ele passou [o governo] fazendo uma comunicação de embate e enfrentamento aos supostos inimigos, em vez estar promovendo as realizações que valeria a pena mostrar. Quis fazer isso agora na campanha, mas me parece que não é suficiente.”
“Bolsonaro é o primeiro [presidente] incumbente a ser derrotado porque abriu mão de executar suas funções de governar, e também pela frustração de expectativas. Ele foi eleito em uma expectativa de mudança, e muitos viram suas vidas piorarem – em função da pandemia, obviamente, mas também em função da ausência de ação governativa da Presidência da República”, afirma Lopes.
Fonte: DW