O número de casos de dengue disparou no Brasil, e o reagente usado para fazer o exame que confirma a doença está esgotado na rede pública e privada.
Ao todo, em quatro meses, o Brasil superou os 544 mil casos de dengue registrados em todo o ano passado. De janeiro a abril, houve 654,8 mil notificações da doença.
O Ministério da Saúde não especificou a situação de cada região, mas confirmou que a reposição nacional só deve ser restabelecida em junho e que, no momento, está sem a entrega de novos kits moleculares para o diagnóstico da dengue, chikungunya e zika.
De acordo com o Ministério da Saúde, os insumos para tratamento têm sido enviados.
Segundo o último boletim epidemiológico federal (semana 18, publicado na última sexta-feira), as notificações prováveis triplicaram em relação ao mesmo período do ano passado (alta de 146,5%, passando de 307.133 para 757.068 casos).
Os casos notificados à União pelos municípios e estados subiram 56,7% (de 542.970 para 850.657 pacientes) e os confirmados aumentaram 65,7% (de 254.836 para 422.342 contaminados).
A recomendação do Ministério da Saúde no momento é que os casos de dengue sejam “confirmados por critério laboratorial ou por critério clínico-epidemiológico”, segundo resposta da pasta.
Para locais onde não for possível fazer exames laboratoriais, “a recomendação é seguir os protocolos de diagnóstico por critério clínico, notificando o caso suspeito com o diagnóstico por critério clínico-epidemiológico”.
A nota diz ainda que na “impossibilidade de realização de confirmação laboratorial específica ou para casos com resultados laboratoriais inconclusivos, deve-se considerar a confirmação por vínculo epidemiológico com um caso confirmado laboratorialmente”.
São Paulo está sem reagente. Piauí e Paraná estão com estoques baixos e têm orientado as equipes de saúde pública a priorizar o uso da testagem com os kits remanescentes em pacientes graves e grávidas.
Bahia e Mato Grosso do Sul estão sem reagentes e abriram processos emergenciais para compra pelos próprios estados.
Segundo a TV Globo, há carência do material também em Minas Gerais e Santa Catarina.
Em São Paulo, o número de confirmações de dengue manteve-se estável, mas os óbitos por dengue subiram de 41 para 77 (aumento de 87,8%). O estado registrou em 2022, até 2 de maio, 107,4 mil casos de dengue contra 104 mil casos no mesmo período do ano anterior.
A Secretaria de Estado da Saúde paulista disse que “encaminhou ofícios para o órgão federal para envio de novos testes, mas não houve sinalização de nova entrega” e que a “aquisição e distribuição dos testes para detecção da dengue são de responsabilidade do Ministério da Saúde”, cabendo ao governo estadual “apenas redistribui o item”.
Ainda segundo o órgão, a falta do exame não impede o diagnóstico clínico nem o tratamento do paciente pelos municípios e que a “suspensão de coleta de sorologia para os casos não graves já é prevista nas diretrizes para prevenção e controle das arboviroses urbanas no estado”.
O CVE (Centro de Vigilância Epidemiológica) do estado põe em ranking as cidades com casos acima do esperado para seu histórico sazonal de dengue.
Essa lista é usada para definir onde a coleta de amostras para confirmação do diagnóstico por sorologia será suspensa, mesmo quando há o reagente disponível.
O ranking não é divulgado, segundo o estado, por ser um quadro de atualizações muito dinâmico -é preciso estar há quatro semanas consecutivas com alta de casos acima do esperado, e a entrada e saída de cidades é constante.
É o caso Barretos, município no interior, a 233 km da capital paulista, que esta semana foi declarado com epidemia de dengue pelo estado.
Com a alta de de casos suspeitos, os testes deixaram de ser realizados na cidade. O secretário municipal de saúde da cidade, Kleber Rosa, disse que agora os pacientes que procurarem a rede pública de saúde apresentando três sintomas ou mais da doença receberão o tratamento direto.
“Mesmo sem o teste específico para dengue iremos continuar fazendo os hemogramas para o controle das plaquetas dos pacientes”, afirmou Rosa.
Em Ribeirão Preto, que manteve índices de dengue baixos nos últimos dois anos, o total de pacientes com sintomas de dengue também disparou.
No pronto-atendimento do plano de saúde privado Unimed Ribeirão, a procura diária por testagem para a doença cresceu sete vezes em relação ao mesmo período do ano passado e pelo menos desde segunda a rede está sem reagentes.
Em nota, a rede disse que “o não-abastecimento dos insumos laboratoriais específicos para o teste NS1 é momentâneo”, “generalizado em função da alta demanda dos casos de dengue na região nos últimos dias” e que houve “atraso na entrega dos fornecedores deste insumo para todos os laboratórios”.
Os pacientes com sintomas de dengue estão sendo submetidos aos testes capazes de confirmar o diagnóstico e de orientar os tratamentos, tais como hemograma e testes de anticorpos, que seriam “suficientes para orientar a conduta clínica, sendo o exame NS1 de natureza apenas complementar (confirmação diagnóstica).”
Para o médico Amaury Lelis Dal Fabbro, professor do Departamento de Medicina Social da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da Universidade de São Paulo (USP), ainda que seja possível o diagnóstico, a falta de reagentes pode afetar o sistema de vigilância epidemiológica da dengue.
Segundo ele, exames virológicos e sorológicos de dengue ajudam a lidar com uma sintomatologia “razoavelmente inespecífica”, que pode eventualmente ser confundida com outras viroses. “É essencial para o sistema de vigilância epidemiológica confirmar os casos, ou pelo menos um certo número de casos para ter certeza do tipo de vírus que está circulando na população”, disse Fabbro.
Os dois tipos básicos de exames de sangue específicos são o sorológico, que identifica os anticorpos contra a dengue e confirma o diagnóstico, e o virológico, que mostra qual vírus da dengue infectou o paciente e está circulando naquele momento -é este que está em falta no país.
“Esta informação [de sorologia] é fundamental para virologia, porque cada sorotipo tem comportamento diferente na população e é fundamental que haja disponibilidade de exames”, afirmou o médico.
Denis Henrique da Silva, 43, vendedor e engenheiro civil, está com sintomas de dengue desde a semana passada. “Senti muitas dores no corpo, na articulação, sem força para fazer nada, febre. Uma experiência que nunca tive, nem quando peguei Covid fiquei assim”, afirmou.
O caso dele só foi confirmado com exame laboratorial e com o surgimento de pintas vermelhas. “Minhas plaquetas baixaram muito em três dias. Procurei a UPA de Barretos e não fizeram o teste [de dengue], só foi detectado através da plaqueta, mas [é] muito ruim ficar um mês sem saber se é verdade ou não”, contou.
Fonte: MAis Goiás