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Reforma tributária é projeto de centralização de poder do PT, diz Marcos Cintra

O ex-secretário da Receita Federal Marcos Cintra tem uma opinião cristalina sobre a reforma tributária. “Ela é ruim”, esclareceu o economista em entrevista exclusiva a Oeste.

Doutor em economia, professor titular na Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV), ex-deputado federal e idealizador do “Imposto Único“, Cintra é fortemente crítico à forma e à substância da reforma tributária.publicidade

“A tramitação desse texto está sendo uma violação das regras parlamentares. E uma enorme falta de respeito com a população. Nem sequer temos estudos de impacto sobre algo que vai mudar radicalmente a economia brasileira. É um absurdo”, explica.

economista prevê uma série de problemas provocados pela reforma, alta dos preços e até uma desorganização da economia brasileira.

Mas o ponto que mais o preocupa é a progressiva centralização de poder levada adiante por essa reforma. “É um claro projeto de controle da sociedade típico do Partido dos Trabalhadores (PT)“, explicou o Cintra.

Confira os melhores trechos da entrevista exclusiva de Marcos Cintra a Oeste sobre a reforma tributária.

Qual a opinião do senhor sobre essa reforma tributária?

A única certeza que todos nós temos é que não há certeza alguma. Ninguém tem a mais ligeira ideia do que esse projeto pode de fato significar para a economia brasileira ao longo dos próximos anos. É um projeto com uma enorme profundidade. Mexe com o sistema tributário. Altera o pacto federativo brasileiro na sua raiz, que é a autonomia financeira. Muda a organização da sociedade brasileira, principalmente deslocando a carga tributária em favor de alguns setores e em detrimento de outros. Mas o maior problema é outro.

Qual?

O total desrespeito com como esse processo está sendo conduzido. Esse é um dos episódios mais vergonhosos da história parlamentar brasileira. Estão tratorando a sociedade. Uma reforma tributária com uma profundidade como essa teve um texto apresentado há apenas uma semana. Pior, o documento definitivo foi colocado no sistema da Câmara apenas poucos minutos antes de ser apreciado pelos deputados. Inadmissível.

Isso é uma coisa não apenas antirregimental, mas absolutamente sem nenhum resquício de ética parlamentar.

O projeto está sendo malconduzido. Não apresentando números. Causa surpresa que alguns setores estejam apoiando a reforma. Quem sabe por desinformação. Não fornecer dados públicos talvez seja uma estratégia do governo. Possivelmente para evitar problemas políticos.

Estão querendo criar a narrativa que fizeram uma reforma tributária. Só que essa é uma reforma feita de qualquer jeito. E somente depois vão ajustar o feito com lei complementar. Que basicamente é um cheque em branco recebido pelo Executivo.

Um processo açodado, apressado, truculento, que só pode ter uma justificativa: há algo a esconder por parte do governo. Em alternativa, eles não têm a mínima noção do que estão fazendo. As duas são igualmente graves. 

O senhor está dizendo que a Câmara aprovou um texto sem saber o que prevê?

Exatamente. Ninguém sabe o que há nesse documento. Se alguém estiver fazendo previsões econômicas ou louvando o texto ou está mentindo ou não tem ideia do que está falando. Primeiro por não ter tido tempo para elaborar avaliações. Segundo, e mais grave, o governo não apresentou nenhum cálculo de impacto desse projeto. 

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A sociedade, os pagadores de impostos, as empresas, todos têm direito de saber exatamente o que está se passando. Eles devem participar desse debate. A tramitação legislativa da reforma tributária eliminou o diálogo. Criou um regime de opacidade. 

Mas a PEC 45 foi apresentada em 2019. Havia tempo de sobra para analisar o texto.

Não foi bem assim. É preciso contextualizar do ponto de vista histórico o que houve. A PEC 45 foi sim apresentada em 2019, mas era um projeto radicalmente diferente daquele que foi divulgado pelo relator, o deputado Aguinaldo Ribeiro, na Câmara dos Deputados

Os formuladores da PEC 45 original tinham um projeto muito bem concebido, embora muito centralizador. Ele previa um Imposto sobre o Valor Agregado (IVA) centralizado, com alíquota única.

Não seria a melhor solução, pois o IVA é um imposto apropriado para países unitários, e não para as federações, como é o caso do Brasil. Em países muito grandes não se usa um IVA centralizado. Os próprios Estados Unidos não têm um imposto federal sobre o valor agregado. Por lá, cada Estado decide autonomamente sua alíquota. 

A PEC 45, de 2019, previa uma estimativa de uma alíquota do IVA, juntando todos os cinco impostos, de 25%. Uma alíquota dessa proporção causaria deslocamentos setoriais muito fortes na economia brasileira.

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Alguns setores seriam muito prejudicados, outros favorecidos. A indústria ganharia, enquanto o setor de serviços e o agronegócio teriam uma tributação aumentada.

Todos, por sinal, objetivos declarados da PEC 45, que seus mentores justificavam abertamente ao dizer que a indústria era excessivamente tributada no Brasil, e que essa seria uma das razões para a desindustrialização precoce do país.

Por outro lado, segundo eles, o agronegócio seria subtributado, assim como os serviços. Por isso, era necessária uma mudança.

A indústria mergulhou de cabeça nesse projeto, achando que ela seria favorecida de forma justa, plena, com uma redução considerável da carga tributária. 

Só que a PEC 45 nunca apresentou alíquotas. E desde então não tivemos mais nenhuma previsão nem estimativa.

Como se não bastasse, o projeto recém-aprovado na Câmara virou uma árvore de Natal. Aquele radicalismo, teoricamente até justificável, da PEC 45 foi totalmente desfeito pelas concessões que o relator veio fazendo a todo e qualquer setor que apresentasse suas reivindicações. Tudo, claro, em troca de votos. 

Quais os efeitos o senhor prevê dessa reforma?

O risco é que a reforma gere uma selva de disputas, litígios e contestação. Os mesmos que deixam hoje o Brasil como um dos países mais ineficientes do ponto de vista tributário do mundo. O que seria para melhorar, na verdade, vai acabar piorando.

governo teria a obrigação de apresentar estudos, mas não o fez. Então as universidades estão suprindo essa deficiência. Alguns acham que esse será um caminho para o progresso daqui a 20 anos. Outros acreditam que o impacto imediato vai ser trágico. Eu estou na linha desses últimos.

Além disso, é preciso sempre lembrar que as empresas quebram no curto prazo, não no longo. Se tiverem dificuldades econômicas vão quebrar. Normalmente por um problema de liquidez.

Existem estimativas de que em dez anos a produtividade aumente com a reforma tributária. Oxalá que isso aconteça. Tenho sérios questionamentos sobre a metodologia desses cálculos. Minha percepção é que para chegar a esse nirvana, a esse paraíso, podemos passar por um inferno, uma utopia não realizada.

O senhor acredita que os impostos vão aumentar por causa da reforma?

O governo não apresentou alíquotas. O meio acadêmico está tentando suprir. Eu mesmo fiz alguns cálculos e simulações. E o resultado é sempre o mesmo: aumento da carga tributária.

Pelo que calculei, a alíquota-padrão do IVA, ou IBS, como será chamado por aqui, deveria superar 33%, tendo de chegar muito próximo aos 34%.

Se considerarmos a famosa “alíquota zero” para a cesta básica, ela chega a 35%. Com um nível como esse, o projeto se torna inviável. O setor produtivo vai sofrer. 

E os efeitos macroeconômicos?

Economistas que querem demostrar que a reforma tributária vai dar certo partem com premissas de longuíssimo prazo. Economistas não são bem-sucedidos em análises de longo prazo. Lembrando que todo o mundo, no longo prazo, vai estar morto, como dizia John Maynard Keynes.

Pelos meus cálculos, o efeito nos preços vai ser trágico. Além da inflação, a reforma, assim como está, vai provocar uma desorganização da economia brasileira. O desemprego vai aumentar. Vai ser um caos econômico. 

Quem vai se beneficiar com essa reforma?

agronegócio conseguiu isenção da cesta básica. Conseguiu aumento de isenção de R$ 2 milhões para R$ 3,6 milhões. O setor de saúde terá redução na metade da alíquota. Transporteeventos artísticoseducação, setor farmacêutico, entre outros. Muita gente vai ganhar.

Mas todas essas concessões implicam um aumento gigantesco da alíquota-padrão, para que a carga tributária permaneça a mesma.

Ou seja, se eles vão pagar menos impostos, o restante da sociedade vai pagar mais.

Sabendo disso tudo, por qual razão o governo quis levar adiante essa reforma?

Estão preparando o terreno para um projeto típico do PT: a centralização do poder.

É evidente que com essa reforma o projeto de federalismo no Brasil será enfraquecido. Com a centralização, os recursos ficarão nas mãos das instituições federais e permanecerão lá. E aí vai ser Brasília que decidirá onde alocar esse dinheiro. Querem evitar que surjam posições contrárias ao poder central.

O principio da reforma tributária poderia ser até positivo, tendo como objetivo reduzir o número de impostos e alíquotas hoje existentes. Mas agredir o pacto federativo dessa forma e acabar com a autonomia dos prefeitos é algo profundamente errado. Poderiam muito bem modificar só o ICMS dos Estados, onde está o verdadeiro problema da chamada “guerra fiscal“. Não era necessário mexer no pacto federativo.

Qual o sentimento do senhor neste momento?

Estou profundamente decepcionado. Principalmente pela forma de que o projeto está sendo discutido.

Uma vergonha para o Congresso. Um prejuízo gigantesco para a sociedade. O país vai dar um salto no escuro com essa reforma tributária. Ou o governo tem muita má-fé ou está demonstrando uma profunda ignorância. Em ambos os casos, será um desastre. O que estamos vendo é simplesmente surreal.

Fonte: Revista Oeste

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