Em entrevista, Laercio Dalla Vecchia, agricultor sulista campeão pelo Cesb em 2020, conta sua história de vida e fala sobre como conseguiu ótimos resultados tendo a agricultura sustentável como principal estratégia de produtividade
“Sempre fui um apaixonado pela terra”. Assim, Laercio Dalla Vecchia resume sua relação com o campo. Em encontro aberto ao público em Jataí, no dia 30 de maio, às 19h, Laercio Dalla Vecchia trocará experiências e sobre como a agricultura de princípios, baseada na sustentabilidade, pode gerar alta produtividade.
Em 2020, Vecchia foi campeão nacional Cesb (Comitê Estratégico Soja Brasil) de produtividade, quando conseguiu o feito de produzir 118 sacas de soja por hectare sem uso de defensivos químicos. Antes, em 2019, ele já havia recebido o título de maior produtor da região sul.
“Hoje vejo meus filhos arando a terra, plantando sementes, e me sinto realizado. Tinha 10 anos de idade e já brincava nos barrancos daqui, imaginando que tinha uma cooperativa e um armazém que pudesse vender e descarregar minha plantação. Hoje, cultivo de verdade. É o sonho da família que está de pé”, comenta.
Nascido na cidade de Maravilha, em Santa Catarina, com pouco mais de um ano, em 1983, foi morar em Mangueirinha, sudoeste do Paraná, município de aproximadamente 17 mil habitantes, localizado a 389 km de distância da capital, Curitiba.
“Meu pai foi um desbravador. Junto com minha mãe e mais cinco crianças, saiu de um município com estrutura para uma terra que não tinha nada. Não tinha luz, água encanada, esgoto. Era tudo à luz de vela, lembro que tinha medo, não gostava”.
Laercio conta que o pai precisou derrubar o mato à foice e plantar com uma plantadeira manual, apelidada de ‘tec-tec’. Ele lembra do primeiro grande desafio da família, após mudarem para Mangueirinha.
“Em Maravilha, plantava-se o milho de forma braçal e ele ia muito bem. Mas quando chegou aqui no Paraná, o grão não desenvolvia pois o solo tinha muito alumínio tóxico”, conta.
Em 1985, a família comprou um caminhão para vender o carvão que produziam em suas terras para levantar dinheiro. Com as vendas, compravam calcário que era utilizado para melhorar o solo.
“Foi a grande revolução da agricultura nacional na época. Fez toda a diferença porque a terra era muito ácida e, por isso, não deixava o grão crescer. Foi aí que nosso solo começou a ficar fértil e a agricultura começou a se desenvolver aqui na fazenda, além de milho, cultivávamos arroz, soja e feijão. Logo em seguida, veio a luz elétrica”, lembra.
Laercio conta que o pai, há 35 anos, já era preocupado com a sustentabilidade, pensava em fazer rotação de cultura.
“Me lembro bem, tinha uns 10 anos de idade quando ele disse: ‘meu sonho é comprar uma plataforma de milho”.
Logo depois, a família conseguiu comprar a primeira plataforma de milho 30 anos atrás. Era bem antiga mas, segundo Vecchia, foi um verdadeiro acontecimento. “Era como se tivéssemos comprado um helicóptero. E aí ele fazia a rotação de cultura na plataforma e as coisas foram deslanchando e avançando”.
Nesta entrevista, o agricultor fala sobre o uso sustentável do solo e como o manejo adequado ajudou no desempenho da fazenda durante a estiagem recente registrada no Paraná.
Ser o campeão de produtividade em 2020, o que essa conquista significou para você?
Foi a primeira vez que isso aconteceu. O impacto disso foi enorme, principalmente na minha vida. Contudo, o mais importante não é ganhar o prêmio, mas produzir com sustentabilidade e com lucro. Sempre penso que esta terra que estou lavrando hoje, será a mesma terra que meus filhos, netos e tataranetos vão plantar. Nossa missão, como agricultores, é produzir alimentos fortes, saudáveis, de qualidade, preservando o meio ambiente, e tendo a natureza a nosso favor. Uso plantas de cobertura para controle de doenças, para reduzir o número de herbicidas para reciclar nutrientes. O solo não pode ver o sol diretamente. As plantas de cobertura trabalham como se fossem painéis solares, já que recebem diretamente a luz do sol. Elas fazem fotossíntese, transformando essa luz solar em massa e carbono orgânico. A matéria orgânica é a principal matéria prima da soja, cerca de 90%. Nós, produtores, nunca devemos deixar nosso solo em pousio, ou seja, vazio. Ele precisa sempre estar ocupado com plantas de cobertura. O sol batendo nessa proteção, faz maravilhas.
Qual momento do seu ponto de virada na agricultura?
Há 7 anos, ganhei o concurso regional sul de máxima de produtividade do Cesb. Na época, colhi 97 sacos de soja por hectare. Isso era uma super produção. Ganhei uma viagem, fui para a Alemanha. Nunca havia andado de avião. Voltei de lá tão entusiasmado que quis ampliar ainda mais a produção. A meta era colher 100 sacos por hectare no ano seguinte. Naquele tempo, ainda não tinha consciência sustentável. Então, apartei dez hectares e fiz de conta que era uma Fórmula 1, colocando tudo o que achava que fosse necessário para conseguir produtividade do grão, tudo em excesso, várias aplicações de fungicidas e inseticidas. Aumentei muito a quantidade de nitrogênio e potássio nesse solo. Fiz uma ‘agricultura de produtos’. Sem olhar custos. Pensava que se eu investisse mais, iria colher mais. É um raciocínio lógico. Porém, quando fui colher essa produção, que precisa ter, no mínimo, a marca de 80 sacos de soja por hectare (caso contrário haveria custos com perito e auditoria), registramos 81 sacos. Menos do que o ano anterior. Ou seja, aumentei meus gastos e colhi menos. Por que? Cometi a falha de não avaliar os fatores físicos e biológicos do solo. Precisamos de um tripé: condições físicas, químicas e biológicas. 40% daquelas plantas do meu experimento morreram por doenças radiculares (que ocorrem na raiz). A partir dessa experiência, reconheci meu erro. Vi que a agricultura de produtos estava equivocada, não era sustentável. Comecei a praticar a ‘agricultura de princípios’. Esse foi meu ponto de virada. Ali, percebi que precisava mudar minha mente para um cultivo mais voltado para o meio ambiente.
Como se define a “agricultura de princípios” no manejo dentro da sua fazenda?
Recebo muitas visitas diárias para aprender sobre o assunto. Cada vez mais, tentamos nos aprimorar e fazer testes no solo, com fertilizantes sustentáveis, sem cloro na composição. Participo de várias discussões sobre agricultura no Brasil, inclusive a digital, e a conclusão que tiro é a de que quanto mais se avança, mais se volta para o princípio. Antes, eu era um dos agricultores que mais usava agroquímicos e hoje um dos que menos utiliza. Procuro usar a natureza a meu favor. Um exemplo de boa prática agrícola é o Monitoramento Intensivo de Pragas (MIP). Na natureza, temos uma infinidade de bichos presentes nas plantas, e neles há um exército dos amigos do bem contra os do mal. Só devemos interferir quando realmente há necessidade. Enquanto os ‘do bem’ estão ‘ganhando a guerra’ não é preciso nenhuma aplicação química. Temos um pano de batida, abanamos a soja com ele e começamos a perceber e aprender quais bichos são favoráveis para o cultivo e quais não são. A maioria é predador daqueles que prejudicam a planta. Monitoro tudo. Minha principal estratégia, que me rendeu o prêmio nacional do Cesb, é a assistência, o monitoramento e as boas práticas agrícolas.
Com as plantas de cobertura, por exemplo, consigo reciclar muitos produtos, o que ajuda na conservação da vida do solo. Também fiz uma substituição do cloreto de potássio (mais tradicional, o KCl) por produtos livres de cloro, como o K Forte, da Verde Agritech, que utilizo desde 2020. Temos uma vida intensa no solo e cada vez que a gente o expõe ao cloro, muitos microrganismos bons morrem. Se pudermos não agredi-lo, muito melhor, ele consegue se recuperar ainda mais rápido. Um solo rico, fértil, produz um alimento muito mais rico. A qualidade do solo reflete na mesa do consumidor. A terra responde ao nosso manejo, se a gente a trata bem, ela nos devolve frutos bons.
Pouco tempo atrás, houve uma forte estiagem no Paraná que prejudicou inúmeros agricultores da região. Como foi possível reduzir perdas na sua fazenda?
Tivemos (e ainda estamos vivendo) um período bastante difícil por conta da escassez hídrica. Nunca tinha presenciado uma escassez tão grande. Tiveram regiões que ficaram 45 dias sem chuva. Isso tudo na safra atual, a que estamos colhendo. Poucos anos atrás eu colhia 90 sacos por hectare, em média. Em 2021, foram 80 sacos, pois choveu muito e não tivemos luminosidade suficiente. Este ano, vou colher aproximadamente 73 sacos, em média, por hectare. Perderemos potencial produtivo, devido ao estresse do solo. Mas, ainda assim, estou muito feliz. Tiro o chapéu e agradeço a Deus. Porque mesmo com um mês e meio de falta de chuvas, estamos colhendo muito bem. As boas práticas no cultivo fazem diferença em anos bons, mas em anos ruins, são fundamentais. Minimizam a perda. O custo de produção não foi alto e ainda que o volume de produção não seja o ideal, estou realizado como produtor. Comparado aos demais produtores, estou colhendo mais. A média do município deve fechar em cerca de 55/60 sacos por hectare. A estiagem esse ano foi a maior dos últimos anos e serviu para vermos que as boas práticas agrícolas se destacam ainda mais em anos ruins.
Fico feliz em compartilhar meu conhecimento, pois é algo empírico. Não sou formado em agronomia, mas tenho muitos amigos agrônomos. Faço a agronomia na prática. Troco experiências com os produtores e cada vez que levo uma mensagem, volto com muitas outras. Minha bagagem só aumenta. A troca faz toda a diferença. Temos muito a aprender e evoluir. E o melhor jeito de evoluir é por as ações em prática, é testando e compartilhando o que dá certo. Cada vez que você compartilha uma informação, você ganha duas de volta.
Fonte: Fato Relevante