A maioria dos brasileiros contém uma “farmacinha em casa”, o que pode parecer apenas uma preocupação inofensiva na verdade pode trazer sérios problemas para a saúde. Dados do Conselho Federal de Medicina (CFM) indicam que 77% dos brasileiros fazem o uso de medicamentos sem qualquer orientação médica. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais da metade de todos os remédios são prescritos, vendidos ou dispensados de maneira inadequada.
A fotógrafa, Eduarda Martinelli, 25, sentiu na pele os problemas que a automedicação pode trazer. “Eu estava grávida e tomei um remédio de enjoo por conta própria. Usei o Bromoprida e comecei a ter reação, a minha língua, meu olho e minha cabeça iam pra cima involuntariamente. Depois de várias idas à emergência e fazer exames neurológicos, fui em um neurologista que descobriu que era reação alérgica da metoclopramida componente do remédio e eu não podia tomar nenhum remédio com esse componente”, relembra.
Eduarda agora fica de olho nos componentes das medicações. “Fui à minha médica do pré natal e contei para ela sobre a reação então ela me receitou outro remédio pra enjoo que não tinha esse componente e desde então, não tomo mais remédios sem olhar os componentes pra não tomar algum que tenha o que me causa alergia”.
Ela por três vezes foi parar no hospital com sintomas de intoxicação. ”Foram umas três vezes que tomei o remédio e tive a reação mas nem percebi que era por causa do remédio e como a reação parecia com uma convulsão fui procurar o neurologista que apenas escutando os relatos descobriu que era reação alérgica do remédio.
Lussandra Goes, 50, foi em busca de tratamento para depressão e acabou recebendo, segundo ela, uma medicação que a fez piorar ainda mais. Por dois anos ela tomou uma medicação que a fez desenvolver esquizofrenia grave. “Eu senti muitas náuseas,crises epiléticas, desmaios e até alucinações. Devido a isso tenho um tipo de amnésia, não lembro quase nada da adolescência de meus três filhos e muito menos da infância, algo que a gente como pais guarda com carinho”, lamenta.
As poucas coisas que Lussandra lembra desse período é o que o marido e os filhos contam a ela. “Eu me sentia mal com o medicamento ao invés do médico tirar ele acrescentava outro e com dose maior”. Desesperados, a família de Lussandra foi em busca de outro profissional porque ela se tornou uma pessoa irrecorrível, fora de si e em alguns momentos até violenta. “Os medicamentos que eu tomava eram para quem tem esquizofrenia e não para depressão e eles eram caros, mas eu conseguia pegar no Juarez Barbosa [Central de Medicamentos de Alto Custo Juarez Barbosa]”, relata. Ela conseguiu mudar o tratamento com outro médico que tirou as medicações que a faziam mal e atualmente ela consegue levar uma vida normal, mas lamenta ter perdido dois anos do crescimento dos filhos.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) também salienta que a escolha de uma medicação deve ser feita a partir de critérios técnicos e científicos, pois “os benefícios para o paciente devem superar os riscos associados ao uso do produto”. De acordo com dados, de 2006, da Abifarma (Associação Brasileira das Indústrias Farmacêuticas), que servem como base para o estudo de especialistas até hoje, anualmente cerca de 20 mil pessoas morrem no país vítimas da automedicação.
Cuidados com os remédios que tiver em casa
A comercialização e o acesso a medicamentos é direito do cidadão.Mas, mesmo tendo medicações em casa para possíveis dores de cabeça ou gripe, especialistas alertam que o ideal é ter medicamentos apenas prescritos. “O caso de automedicação que mais traz prejuízo e danos aos rins é o uso dos antiinflamatórios. Eles são comprados sem receita médica e eficientes para tratamento de dor osteomuscular, mas que usados de forma abusiva, constante, frequente para tratar doenças crônicas podem trazer prejuízos à função renal dos pacientes”, esclarece o médico nefrologista Ricardo Mothé.
Porém para quem quer manter uma farmacinha em casa existem remédios que podem fazer parte da lista desde que sejam usados com cautela. “Nosso sistema não seria suficiente para atender todas as demandas de queixas simples como: cefaleias, dores comuns ou dores leves. Então, para esses casos é bom ter um analgésico a sua disposição e saber usá-lo conforme uma orientação prescrita previamente. Também podem ser medicamentos para náuseas, vômitos, cólicas, gases que possuem baixo efeito colateral que tomado de forma adequada não precisa de receita para se ter em casa”, ressalta Ricardo Mothé.
Segundo o especialista, as farmácias vendem esses tipos de medicamentos sem prescrição porque vários medicamentos possuem regulamentação para que não se tenha retenção de receita. “A quantidade ingerida é abuso. Então, se ela está usando a medicação, mesmo que prescrita, de forma inadequada é uma forma de se automedicar e ela está correndo riscos”. O médico faz alerta para evitar indicar remédios para outras pessoas porque nem sempre o que funciona para um pode dar certo para outro.
Para quem tem criança em casa o cuidado deve ser redobrado já que criança pequena tem curiosidades e gosta de colocar tudo que vê na boca.. “Muitos medicamentos não tem o que fazer a não ser observação e outros já tem recomendações específicas de intoxicação. Se a criança toma remédio de adulto ela deve ser levada ao pronto socorro imediatamente, por ser uma dosagem alta”.
Sobre as pessoas que reclamaram de erros médicos na hora de prescrever o remédio, o doutor Ricardo Mothé deixa claro que podem existir sim, mas que às vezes a pessoa passa a ter reação alérgica ou teve alguma das reações previstas pelo medicamento.
“O médico acredita que seja determinada patologia apesar de ser uma hipótese e prescreve uma medicação e nisso temos dois cenários: a medicação pode dar certo; o segundo é que o médico fez um diagnóstico e prescreveu a medicação para o paciente com o intuito de cuidar daquela condição e o paciente apresentou efeitos colaterais. Nesse caso não necessariamente é considerado um erro de prescrição.” Mas, ele ressalta que a droga deve ser descontinuada em caso de reações adversas mesmo que não seja grave.
Dia Nacional do Uso Racional de Medicamentos traz alerta para a população
Hoje (5) é comemorado o Dia Nacional do Uso Racional de Medicamentos e foi criado para alertar a população quanto aos riscos causados pelos medicamentos. O diretor do Conselho Regional de Farmácia do Estado de Goiás (CRF-GO) e mestre em farmacologia, Daniel Jesus conta qual a finalidade da data. “O objetivo é ressaltar que o uso indiscriminado de medicamentos, automedicação são responsáveis por grande parte das intoxicações e grande parte dos problemas relacionados a saúde”.
O farmacêutico é essencial no papel no uso racional do medicamento porque ele tem maior contato com o paciente. “Em um consultório médico às vezes não é possível disponibilizar toda a atenção que o paciente precisa. Principalmente quando a gente fala de serviço público de saúde, as consultas são cada vez mais curtas. Então, por vez a prescrição pode ser feita de uma forma equivocada ou o paciente não é orientado de maneira completa sobre o uso correto da substância que foi prescrita”, conta o profissional. Segundo o diretor Daniel Jesus o farmacêutico contribui para combater problemas como automedicação, intoxicação, desperdício de medicamentos e qualquer outro problema que afete a qualidade de vida da população.
Outro aspecto que é importante deixar a população atenta é quanto ao descarte correto de medicamentos e armazenamento. “Guardar os medicamentos sempre em local fresco e arejado, com circulação de ar e sem abafamento. Evite locais quentes como a cozinha e úmidos como o banheiro. Mantenha o local de armazenamento sempre limpo. Não coloque medicamentos sobre a geladeira, onde a temperatura é alta ou perto do fogão também”, orienta o profissional. Atualmente existem farmácias que têm locais para a coleta de medicamentos, para a logística de descarte e incineração dos remédios conforme destaca Daniel Jesus.
O CRF-GO em parceria com Centro Universitário Estácio realiza hoje das 7h às 9h e das 18h às 20h no Parque Vaca Brava a ação social para o Dia Nacional do Uso Racional de Medicamentos. O evento vai contar com prestação de serviços farmacêuticos com orientações sobre o uso correto de medicamentos; orientações farmacêuticas sobre o descarte correto de medicamentos e coleta de medicamentos para descarte.
Centro de Informações Toxicológica
O Centro de Informação Toxicológica (CIT) da Secretaria da Saúde de Goiás (SES-GO) é voltado para informar a população goiana e profissionais da saúde sobre as condutas e procedimentos a serem adotados para os diversos tipos de intoxicações. O serviço funciona 24 horas por dia, durante toda a semana. Os atendimentos são feitos de forma gratuita por meio do telefone 0800-646-4350.
A unidade, criada em 1986, também tem a função de captar informação epidemiológica confiável; gerar estudos epidemiológicos para fomentar políticas públicas; confirmar uma intoxicação, aplicando os princípios básicos e protocolos de tratamento; realizar busca ativa e investigação de casos de intoxicação humana e animal em Goiás; divulgar alertas epidemiológicos; elaborar trabalhos científicos e formar, orientar e capacitar profissionais de saúde na área de toxicologia clínica.
De acordo com dados divulgados pela SES-GO em 2020, houve 42 casos de intoxicação exógena por medicamentos (automedicação). Em 2021, foram 53 casos. Em 2022, foram seis casos, até 4 de maio, com dados sujeitos a alteração.
O centro atende os mais diversos casos de intoxicações como de : agrotóxicos; alimentos; animais peçonhentos venenosos e não venenosos; cosméticos e higiene pessoal; drogas de abuso; inseticidas; metais; plantas e fungos entre outros.
Fonte: Jornal O Hoje