‘Tais ideologias atuam em frentes distintas, mas, em suma, podemos dizer que elas destroem a capacidade analítica e crítica dos indivíduos’, afirma Pedro Henrique Alves
Esta semana assistimos a uma das falas mais hipócritas e abjetas de um presidente na história brasileira. Lula protagonizou um vexame épico ao comparar o incomparável, ao igualar de forma nojenta a resposta de Israel a uma das carnificinas mais brutais das últimas décadas perpetradas pelo grupo terrorista Hamas, carnificina essa que incluiu assassinatos, torturas e estupros, de velhos a bebês. Além da burrice histórica que nosso presidente demonstrou, ele expôs publicamente a sua ânsia ideológica, uma perturbadora condição de cegueira política que fez com que o próprio Hamas se sentisse agradecido por seu discurso. O chefe de Estado do Brasil está hoje abertamente do lado errado da história, em todos os sentidos possíveis, e se hoje estourasse uma guerra mundial, estaríamos próximos ao “Eixo”, e não com os “Aliados”.
Lula é comunista, e o comunismo é visto, de maneira pueril, como o inimigo imediato do nazismo — dado o embate final entre a União Soviética e a Alemanha nazista. Todavia, vários estudiosos, entre eles muitos daqueles que não só estudaram, mas também viveram na pele as consequência tanto do comunismo como o do nazismo, colocam essas duas ideologias lado a lado, como filhas de um mesmo ventre, como expressões exatas de um mesmo mal, como irmãs. E, assim como acontece em muitas famílias, alguns irmãos tendem a se digladiarem a vida inteira por meras diferenças estéticas, mas, no fim do dia, acabam unindo-se sob um mesmo propósito, ainda que não confessem abertamente isso.
“A infelicidade do século é a sumarização da sua percepção analítica sobre o comunismo e nazismo”Pedro Henrique Alves
Muitos grandes intelectuais trataram disso, como Eric Voeglin, Raymond Aron, Isaiah Berlin e Vladimir Tismăneanu, mas talvez tenha sido Alain Besançon aquele que reuniu os argumentos mais suscintos sobre essa temática em um único livro: A infelicidade do século: sobre o comunismo, o nazismo e a unicidade da shoah. Lançado em 2000 pela Bertrand Brasil, trata-se um dos mais procurados por estudiosos e bibliófilos conservadores no país, já que hoje encontra-se esgotado. Besançon foi um historiador francês, lecionou e dirigiu a Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris, foi um confesso comunista na era de Stálin, mas, ao final da década de 1970, começou a se distanciar do comunismo, tornando-se posteriormente um dos críticos mais profundos dessa ideologia na França. Em seus estudos do século 20, o escritor e professor buscou encontrar o germe do mal político nas ideologias totalitárias daquela era, por isso usou da história comparada como ferramenta de análise. A infelicidade do século é a sumarização da sua percepção analítica sobre o comunismo e nazismo.
Nazismo e comunismo por escritores
Se você ler os autores que citei acima — e outros mais que não citei por mera questão de espaço —, perceberá que quase todos chegaram a conclusões parecidas ao analisarem as ideologias comunistas e nazistas, bem como as suas aplicações no século 20 — muitas vezes sem se referenciarem uns aos outros, isso é o que mais impressiona. Tais ideologias atuam em frentes distintas, mas, em suma, podemos dizer que elas destroem a capacidade analítica e crítica dos indivíduos, massificam suas respostas e ações e, por fim, conduzem como rebanho os seus adeptos a uma ilusão política tentadora, uma agenda prometida de ordem e felicidade plena, onde os males são esgotados e uma planificação de perfeição é criada por uma força política reguladora.
A ideologia substitui, assim, a religião, e traz a promessa do eterno para o imanente, retira da transcendência a perfeição e promete, por meio da política, que, se todos assumirem um compromisso de servidão inconteste da agenda, a sociedade perfeita pode ser alcançada aqui a partir dos ajustes corretos da ideologia. “O nazismo restabelecerá o mundo em sua beleza; o comunismo, em sua bondade”, diz Besançon ser a promessa ideológica mais primeva dessas fés políticas aos seus iniciados.
“O comunismo e o nazismo mostraram a exata e mesma crueldade humana”Pedro Henrique Alves
Não obstante, quando falamos em mundo real, o comunismo e o nazismo mostraram a exata e mesma crueldade humana. E aqui não me valerei de contas de corpos e nem de exposições necrófilas de nenhum tipo, basta olhar a história de forma desapaixonada e sem políticas prévias, e você verá que tanto um quanto o outro deveriam ser rechaçados por mera recordação. A diferença filosófica que os afasta são meros ajustes de ordem, estética e prática, no fim, como dizia o historiador francês, Pierre Chaunu: são “gêmeos heterozigotos”.
O grande destaque da obra está no fato de mostrar como os pressupostos filosóficos de ambas as ideologias são os mesmos, isto é, o germe que moveu Hitler é o exato germe histórico que moveu Stálin. Ainda que geopoliticamente inimigos, eram filhos de um mesmo mal filosófico, aquilo que Besançon denominou de “gênero ideológico”:
“Pode-se, de fato, comparar o comunismo com o nazismo como duas espécies do mesmo gênero, gênero ideológico. A sedução, a natureza e o modo de seu poder, o tipo de seu crime, vinculam-se à formatação mental de que eles dependem inteiramente: a ideologia. Entendo por essa palavra uma doutrina que promete, por meio da conversão, uma salvação temporal, que se pretende conforme uma ordem cósmica decifrada sistematicamente em sua evolução, que impõe uma prática política que visa a transformar radicalmente a sociedade.”Alain Besançon, em trecho do livro ‘A infelicidade do século’
Análise do livro de Besançon
A análise do historiador francês, entretanto, vai muito além de uma comparação exaustiva, pois ele nos mostra como os historiadores ocidentais, muitos abertamente comunistas, usam de atos do nazismo como exemplo de horror político, porém, muitas vezes, quem iniciou a prática de tais horrores foram os comunistas. Besançon, por exemplo, diz que os campos de concentração no século 20 com fins de extermínio não começaram com os nazistas: “Os primeiros campos foram abertos na Rússia em junho de 1918, cerca de seis meses depois da tomada do poder por Lênin e seu partido”.
Foram os comunistas que, lá em 1918, começaram os assassinatos esquemáticos de opositores reais, potenciais e imaginários; quem criou uma máquina de morticínio político foi Lênin e seu sucessor, Stálin, antes de Hitler a otimizar. Obviamente que o livro não tem a intenção de desculpar os nazistas, pelo contrário. Besançon se notabilizou antes pelos estudos que clarificavam as monstruosidades nazistas — principalmente quando da invasão da França —, ele atua antes como um historiador sério e desideologizado ao evidenciar que esse alvejamento que ele recusa aos nazistas, a academia há décadas busca fazer com o comunismo, tentando tirar as manchas de sangue deixadas por Lênin e Stálin — entre outros —, a todo custo.
Mais sobre nazismo e comunismo
Ao colocar ombro a ombro nazismo e comunismo, seus legados, origens filosóficas e evidências históricas, o autor coloca sob a luz do meio-dia a hipocrisia histérica do comunismo ante o nazismo, que não há virtude alguma em defender uma ideologia genocida enquanto se adora outra. Besançon afirma que não só é possível comparar as ideologias totalitárias do século passado, como é bom que as rechacemos desde o berço
Ao criticar Israel na semana passada, chamando o governo judeu de nazista, Lula não mais fez do que descer suas calças políticas diante do mundo, mostrando seu bagos ignorantes a toda comunidade internacional. E se lembrarmos que ele é comunista, e que um dia antes se recusou a condenar Nicolás Maduro por mais um vez alastrar sua ditadura na Venezuela, alimentou Cuba e seu regime com leite em pó brasileiro, aí entendemos que a crítica do presidente não passa da boa e velha hipocrisia.
“Para mim, o comunista real não passa de um nazista em potencial à espera de oportunidade”Pedro Henrique Alves
No fim, é isso que nos mostra A infelicidade do século: “A amnésia do comunismo e a memória [constante] do nazismo se exasperam mutuamente quando a simples e justa memória basta para condená-los a um e outro”. Pessoalmente, nunca aceitei a crítica de um comunista confesso ao nazismo. Para mim, o comunista real não passa de um nazista em potencial à espera de oportunidade. Ambos estão cegamente voltados para seus fins. E como a história já provou, eles usarão dos meios mais abjetos, se necessário for, para alcançarem a perfeição política almejada.
Assim, o comunismo, no fim, não passa de um “nazismo” pintado de vermelho, com propaganda intelectual refinada, mídia fidelizada e retórica ajustada. Enquanto um mata com ódio, o outra mata com “amor e empatia” — e sob a proteção de organizações e redações engajadas.
Fonte: Revista Oeste