O dia 4 de fevereiro de 2023 tornou-se um dia histórico para a meteorologia e para os arquivos da climatologia nos Estados Unidos da América. Ventos intensos e uma massa de ar polar severa atingiram o Nordeste do país, causando quedas abruptas nas temperaturas — que já andam bem baixas neste inverno rigoroso no Hemisfério Norte, em especial, nas altas e médias latitudes.
O frio atingiu fortemente os Estados da Pensilvânia, Nova Iorque, Vermont, New Hampshire e Maine, causando paralisação de muitas das atividades na sexta-feira 3. Isso deixou 25 milhões de pessoas em situação de “alerta” pela Defesa Civil Norte-Americana. Contudo, o ápice do frio ocorreu em New Hampshire, em um ponto geográfico bem interessante. Trata-se do Monte Washington, uma montanha da cordilheira presidencial, cujo cume atinge quase 2 mil metros de altitude, o mais alto de White Mountains — segmento dos Apalaches, com 140 quilômetros de extensão, segundo a Enciclopédia Britânica. É um dos lugares do mundo que estão bem monitorados desde o século 19, apresentando dados suficientes para elegê-lo como um dos locais que apresenta as piores condições adversas do clima, pois é atingido por situações meteorológicas extremas.
A estação que monitora as condições meteorológicas é conhecida por MWObs (Mount Washington Observatory) e se situa justamente sobre o cume da montanha, o que lhe permite obter as informações da situação meteorológica mais próxima da realidade, sem interferências, tendo em vista que o cume é livre de vegetação. É declarada como instituição privada, sem fins lucrativos, apoiando diversos projetos de pesquisa e também serve de laboratório de testes de resistência às intempéries de novos equipamentos. Foi nesta estação que se registrou uma das maiores velocidades de vento instantâneo, em 1934, cuja marca chegou aos 372 quilômetros por hora, um ano após ter sido instalada para medidas sistemáticas, em 1933 — embora haja medições mais antigas, registradas por outras metodologias de trabalho desde o século 19, em 1880.
Observando os registros divulgados da estação MWObs, a temperatura recorde de ar frio em janeiro também data de 1934, um ano depois de sua instalação, marcando -47oF (-43,8oC) de mínima temperatura do ar diária. Mas, segundo o meteorologista Justin Arnott, do Birô do Serviço Meteorológico de Maine, o recorde estadual de mínima temperatura do ar diária data de 22 de janeiro de 1885, com -50oF (-45,5oC), conforme os manuscritos antigos de registros meteorológicos. Quanto à sensação térmica, parâmetro que cruza basicamente as informações de temperatura do ar e da velocidade do vento, quando o corpo humano está exposto a tais condições, o recorde de MW está registrado em -103oF (-75,0oC). Contudo, na madrugada do dia 4, sábado, este valor foi quebrado. Não necessariamente pelo valor extremo de baixa temperatura do ar daquele instante, mas por causa do vento, cujos valores médios de velocidade que ocorriam no momento do registro eram idênticos aos de um furacão de categoria 1 (CAT-1). Assim sendo, segundo o meteorologista plantonista de hora em MWObs, Francis Tarasiewicz, o valor atingiu -109oF (-78,3oC), passando a ser provavelmente a mais baixa sensação térmica registrada nos EUA em 140 anos. Ainda para a mesma madrugada, Tarasiewicz e colegas de equipe mantiveram atenção para a possibilidade de novos recordes.
Quando aliamos as baixas temperaturas do ar e os ventos intensos, que são situações meteorológicas bastante recorrentes no local da estação de Monte Washington, obtemos sensações térmicas muito baixas. A idéia de sensação térmica tem seus fundamentos científicos mais elaborados a partir dos anos de 1940 a 1960, em especial dos estudos no continente antártico, onde Dare, Falconer e criteriosamente Siple, fizeram experimentos empíricos que relacionavam a temperatura do ar, a velocidade do vento e a exposição de vasilhames com água que simulavam a estrutura de corpos humanos, cujas superfícies estavam totalmente expostas aos elementos. Assim nasciam as primeiras relações entre a situação ambiental meteorológica e a sensação térmica mais próxima da real sentida pelos humanos — lembrando que ainda há uma enorme variabilidade entre os indivíduos, porque estes podem apresentar resistências orgânicas maiores ou menores à exposição, bem como um controle psicológico do problema. As equações matemáticas visavam apenas a descrever o entendimento do processo, a fim de estabelecer um padrão para a sensação térmica. Nos anos de 1990, muito se evoluiu nestas avaliações, com contribuições especiais dos australianos — em especial da área médica, o que melhorou significativamente a robustez do parâmetro.
De qualquer forma, a idéia aborda uma premissa muito simples. O corpo exposto ao ar frio responde de uma forma em perda de energia, com uma escalada de danos superficiais na derme e epiderme que podem evoluir de forma sistêmica para todo o corpo. Nestes termos, as condições são apenas duas, para o mesmo tempo de exposição:
- a) se o ar está parado (zero metros por segundo, totalmente calmo), a sensação de frio é menor que o valor real indicado pela temperatura do ar, porque a troca de energia entre o corpo e o ar é lenta, com a sensação térmica mais dependente apenas do valor da temperatura do ar; ou
- b) se o ar está em movimento (qualquer velocidade acima de 0,3 metros por segundo), a sensação do frio é maior e tende a aumentar drasticamente conforme a velocidade do vento se eleva.
Não é intenção deste artigo explicar a lógica das equações matemáticas envolvidas, mas podemos entender o processo “convectivo forçado” como um fluxo de ar frio que passa por um corpo quente, removendo sua energia quando cada parte deste fluxo passa pelo corpo. Quanto mais rápido e mais frio for o ar deste fluxo, maior será a perda de energia deste corpo, resfriando-o até tentar chegar a um ponto de equilíbrio.
Entendendo o processo físico-biológico, conseguimos eleger o Monte Washington como um dos lugares mais visitados pela população comum, onde as sensações térmicas são um verdadeiro perigo. E, portanto, a atenção aos elementos meteorológicos e aos seus valores medidos é de suma importância para se evitar qualquer tipo de transtornos graves, incluindo óbito.
De qualquer forma, o sistema meteorológico que atingiu os Estados do Nordeste dos EUA teve sua origem no chamado vórtice polar do Ártico, que, neste período do ano, está mais ativo do que de costume. As massas de ar provenientes do Polo Norte estão muito frias, causando diferenças significativas entre as temperaturas do ar que estava sobre os Estados do Nordeste com a massa de ar frio que avançava. Diferenças significativas de pressão atmosférica e temperatura do ar forçam ajustes atmosféricos severos, como os registrados em MWObs.
É importante ressaltar que valores recordes obtidos pela estação de Monte Washington ainda passarão por uma averiguação técnica. Na mídia, em geral, veremos as notícias divulgando desde -108oF (-77,7oC) à -110oF (-78,8oC), mas, até o presente momento, o registro válido foi o de -109oF (-78,3oC). Aguardaremos a atualização do boletim climático com os dados oficiais.
Fonte: Revista Oeste