Jornal afirma que não é preciso romper relações para reconhecer fraude nas eleições realizadas pela ditadura de Maduro
Depois de três semanas das eleições presidenciais na Venezuela, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva mantém seu posicionamento ambivalente sobre a proclamada reeleição do ditador Nicolás Maduro, na contramão vários outros governos da América Latina. É o que destaca o editorial do jornal O Estado de S.Paulo desta terça-feira, 13.
Até agora, o Brasil não reconheceu a vitória do candidato de oposição Edmundo González Urrutia e tampouco denunciou a fraude nas eleições. Junto de governos esquerdistas do México e Colômbia, o país cobra a apresentação das atas eleitorais antes de se manifestar.
Para o Estadão, essa atitude tem servido de pretexto para sustentar a indisfarçável simpatia do presidente Lula pelo regime bolivariano.
“Se não bastassem os contorcionismos de Lula para equiparar as alegações do governo e da oposição sobre um processo eleitoral que ele declarou ‘normal’, a nota entusiástica do PT – que, como se sabe, não pronuncia uma vírgula sem o aval do chefe – celebrando a ‘vitória’ de Nicolás Maduro menos de 24 horas depois do pleito escancara essa simpatia.”
O Brasil tem interesses a preservar em relação com Caracas. Além disso, há o risco de um “banho de sangue” prometido por Maduro. Romper relações, como fez agora o presidente argentino, Javier Milei, já se provou contraproducente tanto para esses interesses quanto para a pacificação na Venezuela.
O próprio governo dos Estados Unidos não declarou González o presidente eleito e tem promovido negociações sigilosas para oferecer anistia a Maduro e seus correligionários em troca de uma transição do poder. “A opção pela diplomacia ao invés da punição é pertinente”, diz o jornal.
A “pressão máxima” por meio de sanções econômicas se mostrou ineficaz, e o governo de Maduro tem vulnerabilidades que podem ser exploradas para uma solução de compromisso.
“Todo regime autocrático depende de dois pilares para se sustentar: alimentar o povo e arregimentar as Forças Armadas”, avalia o Estadão. “O primeiro pilar desmoronou na Venezuela. Hoje a oposição está mais organizada. O governo depende totalmente do apoio dos militares. Na superfície, esse apoio é sólido. Mas há fissuras evidentes.”
A publicação acrescenta que a lealdade dos militares tem um custo. “Sob uma economia em deterioração, é cada vez mais difícil a Maduro financiar a sua rede de corrupção clientelista”, diz o texto. “As receitas do narcotráfico não bastam.”
Apoio econômico de China e Rússia à Venezuela pode estar em jogo
Além disso, o apoio geopolítico de China e Rússia é inequívoco; já o econômico, nem tanto. A Rússia quer manter os preços do petróleo altos e não tem interesse em colaborar com a Venezuela para impulsionar a oferta global. A China não vai colocar mais dinheiro num país que já lhe deve bilhões.
“O Brasil pode pouco neste jogo de forças, mas pode algo, e a hora de pôr em prática – ou não – aquilo que pode se aproxima”, afirma o Estadão. “Uma vez que as tais atas eleitorais, para a surpresa de ninguém, não serão disponibilizadas (ou, se forem, dificilmente serão críveis), os pretextos de Lula se dissolverão. O Brasil não precisa romper com a Venezuela, mas nem por isso precisa reconhecer a vitória de Maduro.”
O povo da Venezuela exprimiu sua vontade nas urnas, e a maioria insatisfeita tem dado mostras de coragem e resiliência nas ruas.
Está agendada para esta semana uma conversa entre Lula e os presidentes de Colômbia e México com Maduro. Um presidente brasileiro comprometido com os valores democráticos e os direitos dos venezuelanos deveria deixar claro que o Brasil apoiará a suspensão da Venezuela nos foros dos quais faz parte e, eventualmente, sanções dirigidas aos perpetradores da tirania.
“A questão é se Lula é presidente o suficiente para isso”, diz o jornal. “A retórica do pragmatismo tem-lhe permitido se esquivar da resposta. Mas a hora da verdade está chegando.”
Fonte: Revista Oeste