O governador reeleito de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), afirma que o embate com Jair Bolsonaro (PL) sobre a pandemia de Covid-19 é um assunto superado e diz ter apoio declarado ao presidente depois de colocar na balança o “contexto global”.
“Você tem que analisar o todo. Você, por exemplo, coloca o problema da pandemia, um ponto de divergência. Vamos botar outros pontos. Eu fui o único governador no Brasil que conseguiu fazer a renegociação da dívida e entrar no regime de recuperação fiscal”, diz em entrevista à Folha de São Paulo.
Caiado avalia que “nunca teve um governo com volume de repasse aos governadores e prefeitos” como o governo Bolsonaro, mas reconhece que parte expressiva do dinheiro veio das emendas de relator —que questionam.
“Quando fui deputado, senador, nós tínhamos irrisório R$ 1 milhão. Hoje como pessoas [parlamentares] falam em meio bilhão de reais, R$ 400 milhões. Isso nunca existeiu. Isso provoca uma deformação completa do sistema presidencialista.”
O governador afirma que nunca brigou com o resultado das eleições e que chama a urna eletrônica de “vossa excelência”, mas poupa Bolsonaro pelas ameaças golpistas e ataques ao sistema de votação atual. “Sinceramente, eu não vi ele contestar o resultado das urnas neste momento, no primeiro turno”, diz.
Ronaldo Caiado ainda assegura que a relação dele com o governo federal em caso de vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não causa nenhuma “intranquilidade”.
O sr. rompeu a relação com Bolsonaro no auge da pandemia e decidiu apoiá-lo no segundo turno. Não há incoerência nessa mudança de posição? De maneira alguma. Primeiro porque sou uma pessoa extremamente coerente. Se eu tivesse mudado a minha posição em relação às ações que tomei para enfrentar a pandemia, aí sim. Esse é um assunto superado em decorrência da chegada da chegada e dos protocolos que implantei. Esta é uma etapa.
Nós estamos discutindo agora um segundo momento. Se [a eleição] fosse restrita ao eleitor goiano, o presidente Bolsonaro, como eu, teria sido eleito no primeiro turno. Pela votação expressiva que ele teve no estado de Goiás, declarei apoio a ele.
Quando o sr. fala assim, parece que está seguindo apenas a vontade do elesímo goiano. Sem dúvidas. Sou um democrata. Jamais abri mão dessa posição. Nunca briguei com o resultado da urna. Nunca, nunca. Não disco com urna. Chamo urna de vossa excelência, entendeu? Porque ali é o sentimento da população.
O sr. acredita que o presidente Bolsonaro é a melhor opção? Eu, com 39 anos de idade, fui candidato a presidente da República no momento em que enfrentei também o PT e Lula. Então isso é uma história de vida. Você vai naquilo que não é contraditório do que você defendeu a vida toda. Nunca abri mão da vida, do direito à propriedade, da economia de mercado, da liberdade do cidadão. São princípios que sempre defendi.
Nesse caso, o apoio do sr. é menos uma questão de acreditar em Bolsonaro e mais de rechaçar o outro lado? Não. Vejo que você faz uma escolha, simplesmente. Você tem que analisar o todo. Você, por exemplo, coloca o problema da pandemia, um ponto de divergência. Vamos botar outros pontos. Fui o único governador do Brasil que conseguiu fazer a renegociação da dívida e entrar no regime de recuperação fiscal [do Tesouro Nacional], deu governabilidade ao estado de Goiás. Fiz parcerias com o governo federal.
Se você for contabilizar quais são as divergências, foram do ponto de vista do protocolo, que cumpri com base na ciência. Isso aí é um assunto. Não me impediu de fazer convênios com o Ministério da Saúde, ampliar e regionalizar minha rede, expandir minha rede de educação, ter segurança pública e programas sociais. Eu, como ex-parlamentar, posso lhe dizer que nunca teve um governo com tamanho volume de repasse aos governadores e prefeitos como nós tivemos neste governo.
Eu discuti com o presidente, mas é meu estilo. Vão ter momentos em que vou concordar e outros em que vou discordar, mas, se eu puser na balança, avancei muito mais na parceria com o presidente Bolsonaro do que, acredito eu, se tivesse a continuidade do governo Dilma [Rousseff (PT)]. Então você não pode apenas botar na balança a divergência da pandemia. Tem que entrar todos os outros critérios que também foram fundamentais.
Parte dos gestores atribui esse aumento de repasses ao orçamento de guerra criado para enfrentar a pandemia e às emendas de relator. Na pandemia nós vivemos uma situação emergencial na qual coube fazer todos esses investimentos para que o objetivo fosse salvar vidas.
Em relação ao orçamento secreto e às emendas impositivas, este é um assunto que cabe grande debate, sim. Qual é o sistema que nós temos no Brasil? É o presidencialista. Ou seja, quem tem que apresentar um projeto não é o deputado nem o senador, é o governador e o presidente.
Não cabe ao Parlamento a seleção ou a indicação do que deve ser prioridade, se não estiver nas metas que o candidato propôs à população. [Hoje] você tem um regime presidencialista e logo após você tem um parlamentarismo tomando conta da distribuição dessas emendas discricionárias. É mais uma jabuticaba que foi criada. Essa é a grande verdade.
O ex-presidente Lula promete, em um eventual governo, tentar acabar com o orçamento secreto. O sr. o apoiaria? Essa é uma tese de campanha eleitoral. Eu fui parlamentar durante 24 anos. “Olha, eu vou combater…” Vem cá, você tem maioria lá? Você construiu maioria lá dentro para fazer isso? Então isso não é assim, não é blefando. Qual é a dificuldade que se tem?
Hoje, os parlamentares têm um volume de repasse estratosférico. Quando eu fui deputado, senador, nós tínhamos irrisório R$ 1 milhão. Hoje as pessoas [parlamentares] falam em meio bilhão de reais, R$ 400 milhões. Isso nunca existiu. Isso provoca uma deformação completa do sistema presidencialista.
O deputado chega no interior e diz ‘estou trazendo uma emenda para construir aqui um posto de saúde’. Mas e aí? Você tem custeio para o posto de saúde ou vai fazer apenas a obra? ‘Ah, eu vou trazer mais dez máquinas motoniveladoras.’ E o dinheiro do combustível? Eu não sou de avançar nem um palmo na prerrogativa do outro, mas também não imagino um presidencialismo totalmente engessado.
Foi graças às emendas de relator que o sr. teve tantos repasses para Goiás? Sim. Uma parte substantiva de dinheiro foi. Outra parte foi convênio direto com o Ministério da Educação, com o Ministério da Saúde. Esse é um debate, eu não me omitiria nunca de fazer, faço e fiz com os meus deputados. E eles compreenderam. E aí, qual é a minha necessidade? Eu preciso de uma policlínica na região oeste do estado. Fizemos, eu fui lá e disse: está aí também a emenda do deputado que ajudou a construir isso tudo. Não tirei o mérito dele, mas não desfigurei meu projeto.
O sr. conversou a sós com o presidente antes de anunciar apoio a ele? Na segunda-feira mesmo [dia 3], ele me ligou meio-dia para conversar comigo e pediu que a gente fosse lá. Eu vou ser bem objetivo com você. Eu também sou muito pragmático, até porque sou cirurgião. Eu não fui ao Palácio da Alvorada para simplesmente conversar. O que eu disse foi: presidente, eu cheguei aqui e tem mais de 200 prefeitos ali na sala. Fui o único governador que não foi visitar o presidente sozinho.
Dos 246 prefeitos de Goiás, eu levei mais de 200 prefeitos e prefeitas a ele. Eu falei: ‘Presidente, o que ganha a eleição agora não é fazer discurso para convicto. Ao invés de ter reuniões, com todo respeito, com empresários, industriais e tudo mais, agora você tem que fazer política com político. Fazer política com quem sabe onde tem votos, quais são as angústias, as dificuldades em cada local, o que cada um enfrenta. Quem tem capacidade de mobilização, quem tem capacidade de convencimento, quem tem capacidade de reverter o quadro são os prefeitos e vereadores’.
O sr. fez alguma observação sobre a candidatura a governador do deputado federal Major Vitor Hugo (PL), apoiada por Bolsonaro? Não. Até porque era um assunto superado. Era um assunto que já havia sido vencido [risos]. Eu já estava ali como governador do estado.
O sr. falou muito em respeito às urnas, um dos principais alvos do presidente. Esse discurso e a gestão da pandemia foram decisivos para que ele não se saísse melhor no primeiro turno? É uma análise de ordem pessoal, que cabe mais ao candidato que a mim. Cada um tem a sua análise do que fez, como fez, de que maneira defende. Eu só perdi eleição enquanto tinha urna de cédula. Depois que colocaram a urna eletrônica, eu ganhei todas [risos]. Eu não tenho nada contra [as urnas]. Está mais do que comprovado que é exatamente o sentimento do eleitor, reproduz aquilo que realmente a pessoa votou.
Mas o sr. concorda com a postura do presidente em relação às urnas? Sinceramente, não vi ele contestar o resultado das urnas neste momento, no primeiro turno.
O presidente já afirmou que vai avaliar a proposta de aumentar o número de ministros do Supremo. O sr. concorda? Em primeiro lugar, uma coisa é você ter a sua ideia. Outra coisa é aprovar isso no Congresso. Eu, sinceramente, acho que a tese de você ter mandato é muito mais democrática do que a aposentadoria por idade. Se ele [presidente] tem força para aumentar, tem força para nomear. Se ele coloca todos os ministros com 40 anos de idade, todos terão 35 anos de mandato. Eu sou defensor do mandato no Supremo.
Como o sr. imagina a relação com o ex-presidente Lula em um eventual governo? Eu aprendi que você tem que respeitar a liturgia do cargo público. Se ele for o presidente, eu chegarei lá como governador do estado de Goiás. Da mesma maneira, ele vai me tratar como sendo presidente da República. Eu respeito a liturgia, mas consciente das minhas prerrogativas, dos meus direitos e do que devo levar para o povo de Goiás.
Nós convivemos na Câmara e no Senado a vida toda. Essas coisas [divergências], na democracia, não significam que você não vá conversar, que seja inimigo. Essas coisas não me dão nenhuma intranquilidade. Claro que vou trabalhar para que Bolsonaro seja o presidente.
Fonte: Mais Goiás