Em seu novo livro, escrito com Paulo Guedes, o ex-ministro explica a trajetória e os desafios da política econômica do governo anterior
Os melhores relatos de períodos históricos são sempre realizados por seus protagonistas. Especialmente se esses participaram das decisões que moldaram aquela época. Esse é o caso do novo livro escrito pelos ex-ministros Adolfo Sachsida e Paulo Guedes, “A Política Econômica Brasileira no Período 2019-2022“, recém-publicado pela Editora LVM.
Na obra, são detalhadas todas as medidas de política econômica adotadas durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, e que tiveram impacto não apenas naquele momento, mas também nos anos que seguiram o fim do mandato.
“Se hoje o Brasil está crescendo mais do que se esperava, se o PIB está surpreendendo o mercado, é efeito das reformas econômicas que foram realizadas nos governos Bolsonaro e de Michel Temer”, explica Sachsida em entrevista a Oeste.
Segundo o ex-ministro, durante o governo Bolsonaro foi possível avançar com um agenda econômica pró-mercado, não obstante a oposição de algumas forças internas ao próprio Executivo.
“Os progressos foram muito maiores do que os analistas esperavam. E tudo isso foi possível apenas graças ao diálogo e ao convencimento da necessidade e bondade daquelas medidas”, diz Sachsida.
Ministro, logo após a posse do presidente Lula, em janeiro de 2023, começaram as acusações sobre uma suposta “herança maldita” deixada pelo governo Bolsonaro. O senhor foi um membro importante da equipe econômica do Executivo passado. O livro foi uma forma de responder a essas críticas?
Eu gosto muito de uma frase que diz: “Em Deus, nós confiamos. Todos os outros tragam dados”. Acredito em um debate honesto, mas que precisa ser feito com base em dados. Esse é o convite que o nosso livro faz.
O livro é um registro histórico, dividido em três partes. A primeira é o fundamento teórico da nossa política econômica, a segunda são as medidas implementadas, a terceira são os dados.
O convite que eu faço é: vamos olhar como estava o Brasil no começo de 2019 e vamos olhar como estava no final de 2022. Vamos lembrar que no meio de tudo isso ocorreram uma pandemia, uma guerra, uma estiagem severa. Mesmo assim, os dados são muito claros: o Brasil melhorou.
Fomos o primeiro governo desde a redemocratização do Brasil que reduziu seus gastos em relação ao PIB. O desemprego caiu, a pobreza caiu, indicadores socioeconômicos melhoraram. Isso tudo aparece nitidamente nos dados. Portanto, de que herança maldita estamos falando?
Muita gente esquece que o Brasil terminou 2022 com um fato inédito em sua história: pela primeira vez tivemos uma inflação menor que a dos EUA e um crescimento superior ao da China. Quando isso aconteceu na história do Brasil?
Mas, por exemplo, o governo atual acusa o Executivo anterior de ter deixado uma “bomba dos precatórios” armada. E que eles foram obrigados a pagar.
Essa acusação também não procede, e no livro aparece claramente.
Quando chegamos ao governo, em 2019, o Brasil pagava todos os anos R$ 23 bilhões em precatórios. Em 2022, esse valor passou para R$ 89 bilhões. Fomos obrigados a pagar e efetivamente pagamos. Desses R$ 89 bilhões, pagamos R$ 60 bilhões. O que de fato ficou na conta foi algo como R$ 28, 29 bilhões. Um valor muito pequeno se comparado com o total dos gastos públicos brasileiros.
Eu recomendo olhar os dados. Há muito barulho no ambiente político. Mas, quando se analisam os dados, aparece uma quantia pequena que sobrou para pagar.
Há também acusações sobre ter elevado demais o Bolsa Família em ano eleitoral, criando um rombo nas contas.
Nossa política econômica foi baseada no binômio entre consolidação fiscal via redução do gasto público e medidas pró-mercado. Essa foi nossa receita para crescer.
Em 2018, o governo gastava 19,3% do PIB. Quando terminamos em 2022, o governo gastava 18% do PIB. Por isso que fomos o primeiro Executivo desde a redemocratização que gastou menos do que arrecadou. Além disso, aliviamos a situação das gerações futuras, usando parte do dinheiro para pagar a dívida pública.
Depois, beneficiamos todos os brasileiros, reduzindo impostos, 13 tributos que reduzimos de forma permanente.
Por fim, devolvemos esse dinheiro para a população carente, fortalecendo os programas sociais, passando de R$ 180 para R$ 600 por mês no Bolsa Família.
A política econômica de redução do gastos e consolidação fiscal nos permitiu poupar dinheiro para as gerações futuras e usá-lo para as gerações presentes, para os mais pobres, sem gerar desequilíbrio das contas públicas. Tanto é que em plena pandemia entregamos o governo com um balanço no azul.
O Brasil está surpreendendo os mercados, crescendo há anos muito mais do que as previsões. Na sua opinião, isso foi por causa das reformas levadas adiantes nos governos passados?
O Brasil passou por seis anos de reformas intensas. Reforma trabalhista, reforma da previdência, teto de gastos, autonomia do Banco Central, nova lei cambial, nova lei de falências, nova lei de registros públicos, novo marco de garantias, novo marco de cabotagem, de ferrovias, do gás, do saneamento, entre outras.
Essas reformas que se estenderam de 2016 até 2022 consolidaram o lado fiscal da economia e melhoraram muito a segurança jurídica e a previsibilidade para os investimentos no Brasil. E isso mostrou um crescimento acima do esperado.
As reformas pró-mercado que levamos adiante geraram um aumento da produtividade, e isso contribuiu para o aumento do crescimento econômico. Essa é uma agenda vitoriosa independentemente da ideologia do governo.
Entretanto, o governo Lula parece mais focado em aumento dos gastos, aumento da arrecadação, sem se preocupar sobre a estabilidade das contas públicas. Estamos indo em direção de uma crise fiscal?
Em primeiro lugar, è necessário salientar que o governo atual tem a legitimidade para fazer isso tudo.
Quando se ganha uma eleição, se traz para Brasília a visão vitoriosa do processo eleitoral. A parte econômica desse novo governo faz parte de uma linha de pensamento que sempre deu muito valor para o Estado como grande indutor do crescimento econômico. E aqui não há juízo de valor. Há países do mundo onde o Estado investiu na economia e tiveram muito sucesso, e vice-versa. É possível encontrar políticas de sucesso em ambos os casos. O importante é ser consistente e saber dos resultado que virão.
Agora, é natural que, aumentando os gastos públicos, o governo automaticamente é obrigado a aumentar a carga tributária. E é exatamente isso que estamos vendo no momento atual. Esse é um governo que aumenta seus gastos, mas, de forma condizente com sua política econômica, aumenta os tributos também.
O governo passado gastava menos, então podia tributar menos. O governo passado apostava no setor privado liderando o crescimento econômico, enquanto o governo atual considera o setor público como fundamental. Eles ganharam as eleições, é uma escolha de preferência da sociedade.
Mas o mercado já começa a dar sinais de insatisfação com essa política econômica.
Existe uma percepção de que o lado fiscal está escapando um pouco. E é isso que está gerando os movimentos atuais.
O governo está tentando ser consistente. Aumentou os gastos, então está tentando aumentar tributos para consolidar o lado fiscal.
Ele tem força para aumentar gastos. Mas para aumentar tributos não é tão fácil assim. Isso estamos vendo no Brasil hoje.
A sociedade está preocupada, pois não aguenta mais tributos. Existe uma hostilidade em novos aumentos de impostos. Mas o aumento de gastos já se materializou. E esse conflito está gerando esse movimento no mercado.
Qual foi a reforma que o senhor gostaria de ter implementado, mas que não conseguiu por causa do fim do mandato anterior?
A abertura do mercado de energia elétrica para todos os consumidores brasileiros.
Uma medida que ficou muito perto de ser implementada, mas ficou pronta infelizmente duas semanas depois de a gente perder as eleições.
Eu morei nos Estados Unidos quando fui professor na Universidade do Texas, e minha residência era em um dos condados mais pobre do país. Mesmo assim, eu tinha três distribuidoras diferentes de energia que podia escolher. Isso ainda em 2006.
Estamos indo para 2025. Não é possível que 20 anos depois não conseguimos abrir o mercado de energia, como acontece nos EUA. Dar a todo o brasileiro consumidor de energia o direito de escolher de quem comprar e o preço para adquirir energia elétrica.
Imagina ser um cidadão de São Paulo e ter uma distribuidora de energia que não te atende direito e quiser comprar energia de outro lugar. Não seria muito melhor poder comprar de outras? Essa foi uma grande inovação que não saiu por muito pouco.
Fonte: Revista Oeste