Cena ocorre quase nove anos depois do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG)
Pescadores do Espírito Santo encontraram animais doentes e deformados nos rios e no mar do Estado, quase nove anos depois do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG). Entre os registros estão tartarugas com úlceras, peixes com feridas e ostras cobertas de lama.
Trabalhadores locais mencionam a presença de animais vivos com mau cheiro. Eles afirmam que o material encontrado não se assemelha ao que havia no mangue antes do desastre.
Os relatos corroboram estudos que identificaram metais do rompimento da barragem em todos os níveis de vida na foz do Rio Doce e na costa do Espírito Santo e no sul da Bahia. Pelo menos 15 metais foram encontrados em animais, incluindo tartarugas e baleias.
Estudos anteriores mostravam a contaminação principalmente em animais microscópicos e da base da cadeia alimentar. A presença de metais foi agora detectada também em aves e toninhas.
O efeito do rompimento da barragem nos animais
Os dados estão no quinto relatório anual do Programa de Monitoramento da Biodiversidade Aquática (PMBA), divulgado exclusivamente pelo portal g1.
Os pescadores enfrentam dificuldades para manter a pesca e sofrem resistência dos consumidores na compra de pescado do norte do Espírito Santo. Em Aracruz, uma tartaruga com várias deformações foi vista.
O biólogo e analista ambiental do ICMBio, Frederico Drummond Martins, afirmou ao g1 que a tartaruga tem uma doença viral associada a regiões poluídas. “Fibropapulomatose é uma doença causada por vírus, que ataca tartarugas”, disse o especialista ao portal de notícias. “Ocorre em todo o mundo e está relacionada com regiões poluídas. Como os estudos identificaram uma queda na qualidade da saúde desses animais por causa do rompimento da barragem, essa ocorrência pode estar se intensificando.”
Mudanças na saúde da fauna
O biólogo destacou que, desde 2018, quando o PMBA foi implantado, há alterações na saúde de peixes, tartarugas, aves e outros organismos, além da perda de diversidade genética das espécies. “Foram encontradas deficiências sanitárias importantes nas tartarugas, sendo uma delas uma conjuntivite, que não existia antes do desastre, e também uma perda de diversidade genética”, disse.
Regência, em Linhares, é uma importante área de desova de tartarugas, especialmente da tartaruga de couro, ameaçada de extinção. Em relação às baleias, a presença de metais foi constatada no sangue, a partir de biópsias nos animais encalhados, além de relação de deficiência de saúde.
O impacto nos animais
“O nexo causal em animais como a baleia, que rodam o mundo, é mais difícil — não é tão linear quando a gente compara, por exemplo, com o que a gente tem de tartarugas”, afirmou Frederico. “Mas existem correlações estatísticas fortes que sustentam uma evidência de que esse impacto chegou sim às baleias.”
Os peixes também foram significativamente impactados, com aumento dos níveis históricos de turbidez. “A gente tem larvas de peixes com anomalias muito importantes, déficit de saúde e alterações nas comunidades”, disse o coordenador da CTBio. “Por exemplo, no Rio Doce houve um favorecimento de espécies exóticas mais resistentes a impactos em detrimento de espécies nativas, mais sensíveis a impactos. O aparelho digestivo do peixe também fica bastante comprometido. Quando você vê as fotos, você vê que, em vez de ter um aparelho digestivo normal, você vê que o bichinho tá doente mesmo.”
Metais na água
O oceanógrafo do ICMBio, João Carlos Tomé, lembrou que o metal na água chegou também às toninhas, cetáceo semelhante ao golfinho, existentes na costa do Espírito Santo.
“Há alterações de organismos nas toninhas que há na foz do Rio Doce, a sua população mais ameaçada no Brasil”, explicou Tomé ao g1. “Foram detectados impactos significativos na saúde e impactos indiretos, como, por exemplo, a diminuição da comunicação entre eles. Por se comunicarem por som, a alta turbidez do ambiente dificulta que machos, fêmeas e crias se encontrem.”
Quase nove anos depois do rompimento da barragem de Fundão, ainda é possível encontrar lama no curso do Rio Doce e no mar. João Carlos Tomé observou que os níveis de metais nos ambientes monitorados permanecem acima dos valores pré-desastre.
As ações da Anvisa
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) reforçou que a pesca foi proibida por decisão da Justiça Federal do Espírito Santo em 17 de fevereiro de 2016. A proibição vale entre Barra do Riacho, em Aracruz, até Degredo/Ipiranguinha, em Linhares, dentro dos 25 metros de profundidade.
A Anvisa publicou a Resolução nº 989/2016, que proibiu o armazenamento, a distribuição e a comercialização de pescado oriundo da atividade pesqueira desenvolvida no mar dessa mesma região
Os últimos dados do PMBA foram submetidos ao referido GT Rio Doce e encontram-se em análise. O relatório revelou que mais de 15 metais, como ferro, níquel, arsênio, cádmio e alumínio, foram encontrados em amostras de organismos marinhos ao longo da cadeia alimentar, desde o fitoplâncton até grandes cetáceos.
Os resultados
Os dados do relatório anual foram apresentados em Vitória, na primeira semana de setembro, durante o 5º Seminário Técnico-Científico de Apresentação dos Resultados do PMBA. O resultado também será apresentado em Brasília, no dia 27, para o Ministério Público Federal e para o Ministério da Saúde, entre outras instituições.
A Fundação Renova considera que os resultados dos relatórios do PMBA no Espírito Santo devem ser interpretados com cautela e ainda precisam ser integrados a outros estudos realizados no Espírito Santo e em Minas Gerais para preencher lacunas de conhecimento.
Ações integradas de restauração florestal, recuperação de nascentes e saneamento ocorrem ao longo da bacia e visam à melhoria da qualidade da água. A Bacia do Rio Doce tem pontos de monitoramento hídrico e estações automáticas que permitem acompanhar, desde 2017, sua recuperação e gerar subsídios para as ações de reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão.
Os dados podem ser acessados no portal Monitoramento Rio Doce, construído em parceria com seis órgãos ambientais e agências de gestão de recursos hídricos, que formam um grupo técnico ligado ao Comitê Interfederativo (CIF).
Fonte: Revista Oeste